"IL GUARANY" MUTILA A MÚSICA DE CARLOS GOMES, ENALTECE A CAUSA INDÍGENA E TORNA A ENCENAÇÃO IMPERTINENTE AO ORIGINAL. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA EXCLUSIVA PARA O BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Cena da ópera "Il Guarany" apresentado no Theatro Municipal de SP.
Cap. I : "Os aventureiros" do livro citado em epígrafe: É o Paquequer : saltando de cascata em cascata, enroscando-se como uma serpente, vai depois se espreguiçar na várzea e embeber no Paraíba, que rola magistralmente em seu vasto leito".
Justamente "O Guarani", o romance indianista de José de Alencar que mereceu o libreto de Antonio Scalvini, veio a estreiar no Alla Scala de Milão, a 19 de março de 1870; acontecimento que então elevou o nome do campineiro Carlos Gomes, e que o poeta Luis Guimarães Jr; amigo do autor, assim descreveu: "O público em delírio aclamava o maestro em repetidas chamadas sob tempestade de aplausos como raras vezes ecoaram tão frenéticos e vaporosos na sala austera daquele máximo teatro".
O Teatro Lírico Fluminense, propiciou-lhe a verdadeira apoteose, ao ser apresentada na noite de 02 de dezembro de 1870.
De início, na noite de 12 de maio último, a Orquestra Sinfônica Municipal nos ofereceu a protofonia sublinhando a obra de maneira expressiva e rica detalhando os seus aspectos mais importantes. Aliás, essa protofonia foi escrita posteriormente, conservado apenas o material empregado no prelúdio primitivo, o "Andante contabile" bela frase melódica que acompanha a saída do Cacique no 3º Ato: "Or bene, insano", como escreveu Itiberê da Cunha. Essa página que se tornou a mais célebre do campineiro onde, mais do que em qualquer outro momento, há uma passagem empolgante, no qual o autor manifesta um vivo sentimento patriótico. Um grande espírito inovador se afirma. Com efeito, a combinação de dois motivos entrelaçados: no dueto "Sento una forza indomita" é um dos trechos mais lindos da página que tem processo de harmonização mais tarde adotado por Richard Wagner, onde se verifica no "Crepúsculo dos Deuses" de sua tetralogia O Anel do Nibelungo.
Roberto Minczuk é o diretor musical do espetáculo e regeu a orquestra, que durante a execução da ópera, deu umas desafinadas nas trompas e alguns desencontros com o baixo que viveu o Cacique (Ato III). Várias inserções não de autoria de Carlos Gomes, mas de ideias de seu produtor e encenadora (Ailton Krenak e Cibele Forjaz) aliás; é muita informação, cuja liberdade ilimitada concedida a eles, torna impertinente a encenação ora apresentada no Theatro Municipal.
Tal liberdade para encenar e inovar, no tempo e no espaço, não deve agredir a preservação da música e do libreto (Antonio Scalvini e Carlo D'Ormeville). O corte do bailado do terceiro ato é inaceitável, pois fere o estatuto de "opera ballo", previsto pelo compositor. A inserção do balé simbolizava uma abertura à tradição operística francesa, à qual Carlos Gomes foi um dos agentes. E mutilar a ópera ferindo o estatuto de uma obra do patrimônio artístico e cultural brasileiro, torna-se aviltante ao próprio compositor.
: Atalla Ayan, o tenor paraense possui carreira internacional, já cantou no Metropolitan de Nova York, atuando também no Covent Garden, na Opera de San Francisco e de Paris. Assumiu aqui o papel de Peri no elenco principal desta produção, cuja atividade se impôs quer pela linha de canto, quer pela maleabilidade no fraseado e igualdade na emissão das notas. Foi muito aplaudido.
No sábado, foi a vez do tenor chileno, Enrique Bravo, destacou-se dos demais em sua versão. Bela voz, revelou-se apto para os melhores personagens de Puccini e Verdi na galeria dos tenores.
A Cecília de Alencar, docemente vivida pelo soprano bielorrusso Nadine Koutcher obteve a melhor das interpretações com técnica aprimorada (coloratura); cantou também os duetos com Peri de forma admirável (ária "C'era una volta un principe"; dueto "Perchè di meste lagrime,...").
Na veste de Don Antonio de Mariz o baixo Andrey Mira muito irregular pela extensão vocal que lhe é limitada.
Os intérpretes de Gonzales, ambicioso e traidor (que no romance de Alencar é o italiano Loredano, mas que, por elementares motivos de prudência, o libretista tratou de lhe fixar a nacionalidade espanhola...seja do ataque das tribos inimigas); Rodrigo Esteves obteve bons resultados em seu personagem. Já David Marcondes (sábado 13/5) apresentou material vocal sólido e bem timbrado, quebrado porém na finalização, em sua canção do aventureiro "Senza tetto senza cuna".
O Don Alvaro encontrou no tenor Guilherme Moreira uma versão muito bem colocada do noivo de Cecília; afinado e musical.
Gustavo Lassen (Alonso) muito bem em seu trajar, sonoridade vocal e na interpretação de seu personagem, ainda que mutiladas algumas passagens com seu amigo Carlos Eduardo Santos (Ruy Bento)... Orlando Marcos foi Pedro (baixo), todos satisfatórios em suas atuações cênicas.
Finalmente Lício Bruno cuja voz de baixo barítono se encontra bastante desgastada; apresentou um Cacique esdrúxulo e caricato embalado num excessivo vibrato vocal.
Que essa péssima onda que ora ronda o Municipal de São Paulo, não permaneça em "La Fanciulla del West" e "O Navio Fantasma", próximas produções.
Escrito por Marco Antônio Seta em 14/5/2023
Jornalista inscrito sob nº 61.909 - MTB
Diplomado em piano, teoria, história da música, harmonia e contraponto no Conservatório Musical "Carlos de Campos", em Tatuí - SP
Licenciado em Artes Visuais pela UNICASTELO, em São Paulo.
Maestro desafinou as trompas? Kkkkkkk Entende muito. Me divertindo por aqui.
ResponderExcluiresse blog sempre me diverte nas “criticas” rs
ResponderExcluirApesar de alguns cantores fracos recomendo o vídeo com a opera do Pará. Está n integra e o maestro Roberto Duarte ainda usa o prelúdio Pará introdução da última cena da Opera. Tive a felicidade de assistir no centenário centenário centenário incluindo a Niza de Castro
ResponderExcluirConhecendo esse dito jornalista que se diz crítico de ópera. Seu costume é enaltecer aqueles a quem ele admira ou tem amizade. Sempre procede injustamente com aqueles os quais não fazem parte de seu Rol de amizades ou aqueles que para prestar devem ter se apresentado em casa fora do Brasil. Acho que essa crítica e igual a uma bunda que cada um tem a sua. Muito suave com uns e mortal com outros . Graças a Deus os artistas não vivem nem sobrevivem de críticas no Brasil e em nenhum lugar do mundo . Esse com toda certeza se prestasse estaria fazendo crítica fora do Brasil e não em um pasquim particular : Raimundo Nascimento Mira , maestro , cantor, professor de canto com mais de 30 anos no ensino de canto lírico, canto coral e piano .
ResponderExcluirQuando leio as ditas críticas desse Sr dou boas gargalhadas , esse Sr presta um desserviço como um crítico de artes , se é que podemos chamá-lo assim. Coisa de conversinha de gente fofoqueira . Um artista se prepara , estuda horas e com afinco para apresentar da melhor forma o seu personagem. Mesmo , com tantos anos de magistério e formação de cantores e músicos dos quais ja formei professores, médicos e doutores , ainda me surpreendo com tipos assim, e ,digo muito bem, quando vejo um jornalista,profissão que está desacreditada , cuja às ideias ideológicas servem a si mesmo e aqueles a quem admiram . Dou aqui meus parabéns ao maestro. Ao elenco fixo e a todos que mostram Il Guarany de Antônio Carlos Gomes que é muito maior que qualquer alteração que queiram fazer para ou com intuito de defender alguma ideologia. Viva aqueles que ainda fazem da ópera um estilo de vida ,num país onde a mediocridade é exaltada e a música é banalizada .
ResponderExcluirMarco Antônio Seta disse a você anônimo que não tem a coragem de mostrar a cara.
ResponderExcluirMas como é difícil aceitar críticas não?
Uma certeza eu tenho. Que você nunca viu um Guarani como ele realmente é. Sem aquelas inserções que nada tem a ver com sua história, soltas no espaço, a título da causa indígena, a qual muito respeito.
Quanto aos cantores, ratifico tudo que disse, com conhecimento de causa e das exigências do canto lírico. Quanto ao maestro, mutilou a obra com ordem de quem..?..e o que é pior: anuncia na TV Globo (Globo Play) que nunca se viu o Guarani assim, e ainda que há dezenas de anos não se apresenta Carlos Gomes no Municipal. Isso comprova que...
Não conhece a trajetória do Theatro Municipal, que há alguns anos.......pesquise e encontre.
Muitos anos de faculdades (Jornalismo, Artes Visuais, Pedagogia e o Conservatório Dramático e Musical Carlos de Campos, em Tatuí me formaram, graças a Deus).E dar parabéns a quem mutila a ópera? Mostra quem você é !!!
Você se mantém fiel ao seu estilo, dando o contexto histórico e analisando a performance de um por um. O resultado é uma narrativa equilibrada, com elogios a quem e o que merecem e os reparos a quem e o que ficam devendo. Pra mim, isso é uma crítica de muito bom nível.
ResponderExcluirOs músicos do municipal tem uma qualidade enorme, mas com esta concepção cênica e inserções musicais totalmente fora das partituras foram horríveis. Sua crítica é dura mas é isto ai...
ResponderExcluirSucesso total!!! Impressionante para nós brasileiros ter em SP um espetáculo desses! Bravo Maestro, siga firme porque você é o nosso melhor, bravo músicos e todos envolvidos ! Fui 3 vezes e sempre sai encantado.
ResponderExcluirEsse blog representa o que há de mais retrógrado e mofado na lírica nacional. É o porta-voz da retaguarda, do conservadorismo mais canhestro, daquela turminha de senhores que acham que a ópera é para poucos privilegiados que foram ungidos com a “compreensão” quase mística do teatro lírico.
ResponderExcluirAinda bem que são uma raça em extinção.
Vou copiar a crítica que fiz no meu perfil do facebook (sou do Rio de Janeiro, em explicação a por que não conseguia assistir ao Guarany): "A única vez que havia assistido à ópera "O Guarani" de Carlos Gomes foi numa versão concerto (sem montagem ou encenação). É realmente absurdo que tenha sido necessária toda uma vida para finalmente ver a ópera montada no Theatro Municipal de São Paulo. Infelizmente, era uma montagem que, com todas as boas intenções a respeito dos povos originários, atrapalhava a ópera. Pois ópera é principalmente canto e drama - há um libretto e não tem como mudar isso, muito menos a música, a não ser que se queira fazer outra coisa. Não dá para mudar o libretto ruim do Guarani, nem o livro de José de Alencar em que ele se baseou. Mas é uma ópera icônica, que precisa ser vista ao menos pelo seu valor histórico e emocional ("A voz do Brasil", né?). Não sou contra montagens arrojadas, desde que não atrapalhem a concentração no básico (o canto e o drama, a relação entre os cantores-atores). Esta agora nem era tão arrojada assim, mas os interlúdios com o grupo dos guaranis (curioso que acabei de vê-los no maravilhoso filme "Para´í") não combinavam em nada com a música de Carlos Gomes e quebravam a emoção; os duplos dos personagens principais, especialmente o de Peri, impediam que ele contracenasse com sua amada Ceci - algo que a direção só permitiu no terceiro ato e, mesmo assim, de maneira emperrada. Uma pena quando se tinha um Peri como o tenor paraense Atala Ayan, de nível internacional, bom ator e que ainda por cima tinha o physique du rôle. Os cantores em geral dos dois elencos (vi dois dias) estavam bem. Bateu uma "síndrome de Bob Wilson" e colocaram os vilões espanhóis num estrado , paradões - tinha até um certo gestual das óperas encenadas por Wilson, mas acho que não funcionou tão bem (e mesmo as encenações de Bob Wilson nem sempre funcionam).
ResponderExcluirValeu, mas fica a dica para os diretores que quiserem encenar ópera: leiam ao menos o libretto e respeitem-no. Respeitem o mundo da ópera. Se acharem que é uma ópera racista, machista etc e quiserem mudar, é melhor não pegar esse trabalho.
A gente lê e vê coisas também pelo valor histórico. A cada dez páginas das "Metamorfoses" de Ovidio há um estupro narrado da forma mais natural possível; a "Ilíada" é um horror de machismo tóxico, e por aí vai. Não dá para mudar a História e as obras."