CARMEN : SIGNIFICATIVO RETORNO AO PALCO DO MUNICIPAL CARIOCA DA MAIS EMBLEMÁTICA ÓPERA FRANCESA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Das páginas novelescas de Prosper Merimée à transposição operística de Georges Bizet, Carmen vem inspirando diferenciais releituras e provocantes ressignificados para a clássica personagem de uma cigana, mitificada como símbolo precursor dos embates pela afirmação do feminino. Das adaptações cinematográficas, divididas entre um dimensionamento dúplice de fidelidade seja pelo original romanesco seja pela sua formatação em ópera, indo de Lubitsch a Godard, de Rossi a Saura, passando pela instigante concepção dramatúrgica de Peter Brook ou pela transgressora visão cênica de Gerald Thomas, além das inúmeras versões de pura dança ou de híbrido teatro coreográfico-musical. Marcada, nas últimas décadas, por idas e voltas na cena lírica do Municipal, sendo algumas das mais marcantes a direção concepcional de Sergio Britto nos anos 80 ou uma mais recente, por Allex Aguilera um ex-integrante de La Fura dels Baus. E, agora, na artesanal direção cênica de Julianna Santos, mais conectada no respeito à tradição sob um sutil sotaque de modernidade. Onde se estabelece um confronto com os multifacetados figurinos de época (no capricho detalhista de Marcelo Marques, um completo expert em trajes para ópera) caracterizando ora militares ora ciganos, ao lado de recortes cotidianos de cigarreiras, campesinos e crianças, junto a indumentarias típicas flamencas ou de instauração da tauromaquia. Carmen, de Bizet. Solistas, Coro, Balé e Orquestra do TMRJ. Julho/2023. Fotos/Daniel Ebendinger. |
Sem carregar uma arquiteturação realista do paisagismo cenográfico, no sugestionamento de simbologias metafórico-conceituais nas diferenciais ambientações dos quatro atos. Como se, ali, o leitmotiv do tema do destino se tornasse sensorialmente visível numa caixa cênica preenchida apenas por alguns elementos materiais (como mesas e bancos transmutados simultaneamente de uso militar a tablado flamenco).
Em surpreendente plasticidade pictórica de Natalia Lana, desta vez ampliando suas incursões estético-cenográficas do palco dramatúrgico ao universo musical da ópera, potencializadas nos belos efeitos luminares claro/escuro de Paulo Ornellas. Tornando-se perceptível a unicidade da proposta diretorial/cênica de Julianna Santos no alcance de uma psicofisicalidade performática, tanto nas atuações vocais dos solistas como na sua extensão gestual aos encontros entre estes e os grupos corais, adulto e infantil.
Quanto à Orquestra Sinfônica/TM, esta voltando a ter o necessário requinte, como suporte de superação para tempos difíceis vividos, na complementação de seus naipes com experientes músicos, estimulados pela amadurecida regência de seu maestro titular (Felipe Prazeres) na captação dos efusivos acordes romântico/hispânicos que a partitura exige.
Além de uma destacada participação incidental do Corpo de Baile/TM (com o acerto coreográfico de Hélio Bejani) retomando o antigo hábito francês de incluir, em sua integralidade, as partes composicionais baléticas nas performances operísticas. Onde também o já tão conhecido quarteto cantante protagonista, mais uma vez, mostra o bravo desempenho de quem domina, musical e dramaticamente, os seus personagens
A começar da mezzo soprano titular Luisa Francesconi numa adequação absoluta ao seu papel, tanto no físico como na potencialidade vocal. Já na primeira grande ária, em notável crescendo, soltando progressivamente a voz, plena de convicta passionalidade em momentos célebres como a Seguidilha ou a Habanera.
Há que se destacar também as luminosas modulações tonais na tessitura vocal de tenor lírico, no caso de Eric Herrero e seu sempre carismático Don José, na culminância romantizada que imprime, por exemplo, à antológica ária La fleur que tu m’avais jetée”.(Com um recado à parte, para que, como um meritório diretor artístico, programe o devido tributo ao centenário de morte de Puccini em 2024).
Ou no sensitivo dueto Parle Moi de Ma Mère com a soprano Flávia Fernandes, na suavidade estoicista do gestualismo alcançado por ela e na pureza angelical da vocalização de sua Micaela. Sem deixar de ressaltar o presencial masculino sempre impositivo do Escamillo, pelo barítono Leonardo Neiva, no alcance de uma ideal ressonância interpretativa para seu Torero na assobiável Chanson du Toréador.
Certa vez, ao entrevistar Antonio Gades, perguntei como ele via suas duas Carmens, a fílmica e a teatralizada no palco. Relembro aqui uma resposta que, certamente, há de servir como referencial especular para o significado simbólico desta remontagem de uma ópera secular que, além do rico substrato musical, revela um reflexivo processo de projeção deste icônico personagem feminino nos dias de hoje.
“O filme trata de uma assimilação ou quase possessão dos intérpretes de Carmen pelos personagens. Mas para o teatro, eu quis uma coisa totalmente distinta: projetar a essência desta Carmen no que ela tem de mais fundo e mais autêntico...”
Wagner Corrêa de Araújo
A ópera Carmen está em cartaz no TMRJ/Cinelândia, em horários diversos, desde sua estreia em 14/julho. Nos dias 16, 23 e 30, às 17h; 21, 26 e 28, às 19h. Até 30/07.
Positiva montagem da ópera Carmem de Bizet, assertiva a direção cênica e iluminação. Direção musical muito boa, ressalvas ao maestro pela boa condução. Nota 8 , não dou 10 pois acredito que os cantores não eram adaptados aos papéis, o meio soprano transparecia a passagem de ar nos registros mais graves, o tenor gritava muito em determinadas frases , o baritono totalmente fora do reparto artístico, sempre sibilante, péssima emissão e atuação. Os secundários exerceram a função com mérito. Parabéns ao TMRJ por mais óperas assim!
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