NEY MATOGROSSO/HOMEM COM H : A IRREVERENTE TRAJETÓRIA ARTÍSTICA/EXISTENCIAL DE UM ÍCONE DA MPB. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Ney Matogrosso - Homem com H / O Musical. Fernanda Chamma/Marilia Toledo/Direção. Junho 2023. Fotos Adriano Dória.

"Rompi tratados / Traí os ritos / Quebrei a lança / Lancei no espaço / Um grito / um desabafo"...(Sangue Latino) Ney Matogrosso.


Desde 2022, um musical vem seguidamente retornando, em novas temporadas, aos palcos paulistas. E já prepara seu voo artístico para também encantar o publico carioca, onde deverá aportar no decurso  ainda deste segundo semestre. Estamos falando de um dos grandes êxitos da última temporada da Paulicéia com indicações a prêmios como o da APCA e vencedor do Destaque Imprensa Digital 2022 – Ney Matogrosso Homem com H/O Musical.

Numa dramaturgia a quatro mãos por Emilio Boechat e Marília Toledo, inspirada a partir de três livros biográficos e dimensionada basicamente por sequencial narrativa cronológica, possibilitando um mergulho em tempos controversos de nossa história, no conflituado convívio da liberdade comportamental de toda uma geração pós-Woodstock com a repressão do regime militar.

Ancorando-se numa segura direção concepcional  (Fernanda Chamma e Marília Toledo) e contando com um grande elenco ao lado de uma dúplice protagonização titular. Repartida entre a ambiência familiar no interior mato-grossense, na personificação do ainda juvenil artista, pelo também  jovem ator Murilo Armacollo, às múltiplas etapas da ascensão de Ney como personalidade icônica no cenário musical brasileiro, na alterativa representação vocal e performática de Renan Mattos.

Ney Matogrosso-Homem com H / O Musical. Emílio Boechat/Marília Toledo/Dramaturgia. Junho/2023.Fotos/Adriano Doria.

Na despretensiosa mas extremamente funcional arquiteturação cênica (Carmen Guerra) sustentada apenas por platôs de madeira em vários níveis, à maneira de um show, onde transcorrem todos os registros da  trama, desde as cenas mais intimistas às exibições especificamente musicais. Facilitando de vez rápidas mudanças frente à plateia, de um clima para outro, incluídos os figurinos (Michelly X) e o visagismo (Edgar Cardoso) extremamente peculiar do personagem.

São várias décadas desde os anos provincianos no enfrentamento e no desafio adolescente ao conservadorismo de um pai militar, à pressão social contra a livre identificação sexual de uma geração libertária sob o signo de viagens psicodélicas de paz e amor, às passagens por Brasília  onde Ney Matogrosso experimenta o ofício de ator.

Para o descortino, no entremeio de suas aventuras paulistas e cariocas, da surpresa inventiva de uma atuação assumidamente  diferencial na banda Secos & Molhados, sinalizada sempre por uma postura andróginaque transforma Ney Matogrosso em instântaneo fenômeno de mídia. Com suas performances irreverentes, sob aquarelada maquiagem e corporeidade seminua em gestual inusitado, nos palcos e na televisão, num posicionamento de resistência à época ditatorial.

Onde vão se sucedendo envolventes caracterizações  de figuras como as de Rita Lee (Hellen de Castro), parceiros musicais de shows, empresários, além da referência presencial de incisivos relacionamentos amorosos tais como Cazuza (Vinicius Loyola) e Marco de Maria, vítimas fatais da Aids.

Tudo acentuado com o apuro de vazados efeitos luminares (Fran Barros/Tulio Pezzoni) que imprimem à energizada linguagem coreográfica (Fernanda Chamma) um sotaque pleno de requebros e expressões faciais de híbrida sexualidade marcando, assim,  o caminho precursor do cantor em shows direcionados a todos os gêneros e gostos e sob o aplauso de quaisquer idades.

Priorizando pelo dúplo comando direcional (Fernanda Chamma e Marília Toledo) provocantes e erotizadas formas de representação cênica e musical, amplificadas nos arranjos de artesanal trilha sonora (da lavra de Daniel Rocha).

Enquanto a performance de Renan Mattos faz temer, a princípio, a adoção de uma linha mais afetada pelas eventuais fragilidades de um intérprete cover, esta impressão  acaba superada com o seu mimetismo especular revelando, afinal, uma fluente e sensorial adequação psicofísica ao papel que atrai a cumplicidade interativa da plateia.

E não foi por um mero acaso que o próprio Ney Matogrosso, ao assistir o espetáculo, dirigiu-se ao camarim e abraçou com indisfarçável emoção o personagem e o ator que Renan Mattos faz viver ali com tão intensa convicção...


                                             Wagner Corrêa de Araújo


Ney Matogrosso Homem com H – O Musical está em cartaz no Teatro Procópio Ferreira/Rua Augusta/SP, até domingo, 2 de Julho.

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