"MISSA DE RÉQUIEM", DE VERDI NO THEATRO MUNICIPAL DE SP. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA EXCLUSIVA PARA O BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 Luiz-Ottavio Faria, Paulo Mandarino, Mtrº Alessandro Sangiorgi, Tatiana Carlos e Isabel de Paoli com a Orquestra Sinfônica Municipal e o Coro Lírico Municipal de São Paulo. Foto: Pedro Lucas.

        Ao comemorar os duzentos e dez anos de nascimento de Giuseppe Verdi (1813-1901) o Theatro Municipal programou duas apresentações da Missa de Requiem do compositor italiano nas datas de 06 e 07 de Outubro de 2023, às 20h00 e 17h00 respectivamente. 
   Foi em 22 de maio de 1873 que o herói do compositor, o romancista Alessandro Manzoni, faleceu em Milão, aos 89 anos de idade, duas semanas após ter escorregado nos degraus da igreja de San Fedele, fato esse que desencadeou a sua morte. Verdi não foi ao funeral do amigo, mas quatro dias após, Verdi viajou a Milão para visitar o túmulo e, decidiu como poderia, de forma mais eficiente, honrar a memória de Manzoni, propondo a composição de uma Missa pelos mortos, para ser executada no 1º aniversário da morte de Manzoni, na igreja de São Marcos, que ele escolhera como tendo a melhor acústica. Em junho de 1873, ele e Giuseppina partiram para passar os meses de verão em Paris, onde Verdi começou a escrever seu Requiem para Manzoni, usando o "Libera-me", que havia composto cinco anos atrás, como sua contribuição para o frustrado Requiem a Rossini. 
     Em abril de 1874, a partitura estava completa e, no começo de maio, o compositor foi a Milão, a fim de começar os ensaios para a apresentação de estreia a 22 de maio de 1874. A Missa teve como solistas, quatro cantores que haviam estado íntima e vitoriosamente associados a "Aída" : Teresa Stolz (soprano); Maria Waldmann (mezzo soprano); Giuseppe Capponi (tenor) e Ormondo Maini (baixo) com a regência do próprio Verdi.  Ao ouvir tal obra, Brahms, disse: - " Esta é uma obra de gênio"; foi um sucesso enorme e a obra foi proclamada como obra-prima, para uma plateia que incluía musicistas, amantes da música e críticos musicais de toda a Europa. Três dias depois, Verdi regeu-a no Teatro alla Scala de Milão, depois em Paris e Londres. 
       A direção musical e regência do maestro Alessandro Sangiorgi  optou pela concepção nos moldes verdianos, com todas as inflexões dramáticas como música sacra em cadência de ópera, como composição ultraconfessional e que ultrapassa as margens da função litúrgica. Regeu a Sinfônica Municipal e o coro com muito domínio da obra em epígrafe. Assegurando também firmeza, homogeneidade e equilíbrio entre os corpos executantes, pelo que a esplendida arquitetura da obra se ergueu com a majestade e o esplendor somente possíveis ao genio de Giuseppe Verdi.
      O Coro Lírico Municipal mostrou muito bom preparo e destacou-se nessa apresentação; basta lembrar sua versão do Sanctus (fuga para coro duplo) que parece seguir o estilo sacro, mas na realidade é uma frase totalmente profana; de súbito explodem Hosannas, e toda a orquestra inunda as interjeições corais de brilhantes sonoridades. No famoso Dies irae, o poema de "Dia de ira" , certamente remonta ao século XIII franciscano, dependuradas no arco do coro das igrejas medievais. A partitura de Verdi, traz-nos à mente o Juízo Final de Michelangelo. Trompetes, trombones, trombone baixo, tímpanos e bombo, acrescentam-se ao pentagrama verdiano. Após quádruplos violentos acordes, explode a plena orquestra numa fúria apocalíptica, por entre os desesperados gritos do coro, configurando o universo em dissolução, no qual ele intervém com várias repetições ao longo da obra. Formidável a massa vocal exibida por esse coral. Seguem-se quatro trompetes, respondidos por quatro clarins triunfais espalhados pelas dependências do teatro num tremendo crescendo até a explosão coral. 
        Dos solistas destacou-se entre todos o baixo cantante Luiz-Ottavio Faria, voz aplumada, plena e  com graves sonoros, a ele incumbem-se os versículos do Requiem aeternam, com uma voz potente e expressiva desde o Mors stupebit até o Confutatis maledictis, demonstrou muita segurança musical.  O tenor Paulo Mandarino não apresentou a luminosidade que a parte lhe oferece. Ao meiossoprano Isabel de Paoli, possui uma escola camerística não apropriada para vencer as inúmeras dificuldades dessa obra; levando a uma afinação nem sempre precisa em certas passagens de relevo. E finalmente o soprano Tatiana Carlos enfrentou o Libera Me (Moderato) que é cantado ritualmente diante do esquife, Após a última intervenção do Dies Irae, ao extinguir-se, atingimos o cerne da estupenda obra-prima. Aqui denota-se uma voz estranha, desigual, com graves engolados e agudos mal emitidos. A emoção do momento, talvez, os perturbou; houve deslizes e desafinações, sem prejuízo, porém, para o rendimento global do concerto.
 
  A Missa terminou, Entra uma rápida fuga que atinge resplandescente climax com soprano e coro, prosseguindo e  murmurando a súplica:  "Libera me, Domine, de morte aeterna", no acorde de dó maior...dois rolamentos de tímpanos , dois acordes profundos...e o resto é silêncio. 
E, sem dúvida alguma, o grande triunfador do concerto foi Alessandro Sangiorgi, sobre quem recaiu a responsabilidade maior da realização.Bravo ! 
Escrito por Marco Antônio Seta, em 07 de Outubro de 2023.
Jornalista inscrito sob nº 61.909 MTB / SP
Diplomado em piano, teoria, solfejo, história da música, harmonia e contraponto no Conservatório "Carlos de Campos" em Tatuí - SP

Comentários

  1. Quanta propriedade! A crítica do Jornalista é especialista, Marco Antônio à obra apresentada no TMSP, agrega conhecimento à obra com um resgate histórico e
    Assim como também sobre a apresentação no dia 06/10. Sempre um prazer ler as observações elogiosas ou suas críticas. Elas demonstram que por traz dos comentários existe um profundo conhecedor que muito aprecio. Bravo!

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  2. Perfeito o comentario do Sr. Marco Antonio Setta. Brilhantes aa suas colocacoes. Se estivesse presente. Colocaria minhas posicoes, como Professor Doutor. Bravissimo. Setta. Prof.Dr. Eldo Mello.

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