TRIPLE BILL / BALÉ DO TMRJ : NUMA INCURSÃO COREOGRÁFICA DIRECIONADA À ESTÉTICA NEOCLÁSSICA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Triple Bill / Balé do TMRJ. Love Fear Loss. Ricardo Amarante/Coreografia. Outubro/2023. Fotos/Daniel Ebendinger.


Dando seguimento à temporada 2023, o Balé do Teatro Municipal apresenta um programa comparativo, em caráter quase didático, inicializado pela tradição academicista do clássico, através de uma funcional releitura, por Jorge Teixeira, da Noite de Walpurgis, a partir da coreografia original de Leonid Lavrovsky, concebida para o Bolshoi em 1941.

Seguida de duas criações de Ricardo Amarante, estas  sob uma estética neoclássica com um olhar mais voltado à contemporaneidade, por intermédio das obras  Love Fear Loss e do Bolero de Ravel. Num espetáculo titulado de Triple Bill, classificação muito usada nos palcos internacionais para mostrar uma tríplice sequência de obras diferentes.

A cena de balé Noite de Walpurgis que integra com certa habitualidade a ópera Fausto de Charles Gounod, com seu substrato narrativo em torno do pecado e da salvação, entre o céu e o inferno, através de um pacto diabólico de seu personagem titular, expõe o contraponto entre o virtuosismo coreográfico e o embate da pureza espiritual diante da tentação corporal.

Aqui, numa concepção cenográfica (Carlos Dalarmelino) e indumentária (Tania Agra) conservadora, preservando a figuração primitiva da trama sem quaisquer avanços cênicos/coreográficos, em performance básica na atuação eficaz de solistas e corpo de baile, com um singularizado destaque para o Fausto de Filipe Moreira, a Marguerite de Juliana Valadão e o Pan de Cícero Gomes.


Triple Bill/Balé do TMRJ. Noite de Walpurgis. Leonid Lavrovsky/Coreografia. Outubro/2023. Fotos/Daniel Ebendinger

Mas é exatamente na passagem para as duas obras seguintes que se pode perceber um maior peso inventivo com novos ares na envolvência palco/plateia, provocados pelas criações do coreógrafo paulista Ricardo Amarante. Resultado de sua bela trajetória, como bailarino e diretor, em várias companhias internacionais, entre estas a Paris Opera Ballet, Jeune Ballet de France e Royal Ballet de Flandres.

Em Love Fear Loss, seu balé mais representado e aplaudido pela crítica, a inspiração parte de três pas-de-deux, tendo como substrato a temática lírica e trágica de quatro das canções que celebrizaram Edith Piaf. De um prólogo, apenas sonoro, com La Vie en Rose, ao surgimento da paixão amorosa (Hymne à l”Amour), indo dos conflitos da separação (Ne Me Quitte Pas) à dor causada por uma terminalidade fatal (Mon Dieu).

Em transcrições pianísticas por Natahliya Chepurenko, nas apuradas interpretações ao vivo por Calebe Faria, numa caixa cênica preenchida somente pelo piano e pelos três casais de bailarinos. Vestidos por figurinos de tecidos leves e aquarelados, idealizados pelo próprio coreógrafo Amarante, responsabilizando-se este também pelos efeitos de luzes ambientalistas e que favorecem o clima intimista e melodioso das antológicas canções do repertório de Piaf.

No entremeio dos acordes em compasso de prevalentes adágios, sucedendo-se os seis bailarinos em arabescos, giros, entrelaces e elevações, numa luminosa performance de absoluta entrega amorosa dos três casais, nas sequenciais partes - Love (com Fernanda Martiny /Filipe Moreira), Fear (por Claudia Mota/Edifranc Alves) e Loss (através de Juliana Valadão/Cícero Gomes).

O programa se completando com uma das recentes versões de um dos balés mais populares de todos os tempos - Bolero, de Maurice Ravel, desde o imbatível dimensionamento conceitual e estético que Maurice Bejart imprimiu à composição. Em outra exuberante coreografia de Ricardo Amarante, com sua potencial conexão de energia e sensualidade, ampliada pelo acerto da conduta sinfônica de Felipe Prazeres, sujeita na estreia a um pequeno e instantâneo deslize na sonoridade dos sopros.  

E que reune, num similar equilíbrio do Balé do TMRJ, bailarinos em processo de ascensão ao lado daqueles de reconhecida maturidade, num louvável empenho conjunto de Hélio Bejani e Jorge Teixeira para resgatar o antigo prestígio da Cia. Além de contar, ainda, com a versatilidade de outro brasileiro de carreira internacional Renê Salazar David, desta vez na concepção cenográfica e indumentária.

Neste revelador espetáculo do talento múltiplo de Ricardo Amarante, mais um destes artistas brasileiros do universo da dança que brilham lá fora, a direção artística do Municipal (Eric Herrero) carioca dá um dúplice e vitorioso gol.

Não só pela valorização de nossos criadores coreográficos, como pelo necessário estímulo à atualização em moldes contemporâneos, sem abandonar a tipicidade do repertório de uma respeitável cia clássica de Balé, assim como fazem todas as grandes cias estáveis de dança pelo mundo afora...

 


                                            Wagner Corrêa de Araújo

Balé do TMRJ/Triple Bill está em cartaz no TM, desde o dia 11 até domingo, 15 de outubro, às 17h.

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