LA TRAVIATA : BELA CONCEPÇÃO CÊNICA/MUSICAL ENCERRA A TEMPORADA LÍRICA DO MUNICIPAL CARIOCA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


  
La Traviata. André Heller/Direção Concepcional. Luís Fernando Malheiro/Regente. Novembro/2023. Foto/Daniel Ebendinger.


Se existe uma ópera com tanta simbologia é sem dúvida La Traviata, de Giuseppe Verdi, desde a sua malograda estreia (1853) veneziana no La Fenice, a um permanente êxito nos palcos mundiais. Emblematizada em sua trajetória de mais de século e meio, sendo capaz de manter intocável seu fascínio, entre os aficionados do gênero ao mais diversificado gosto popular.

Em 1982 esta magia se ampliando com o sucesso comercial, de público e de critica, através da primorosa versão cinematográfica de Franco Zeffirelli, incentivando a atração pela saga de outras óperas fílmicas em adaptações marcantes de mestres da sétima arte, como Ingmar Bergman (A Flauta Mágica), Francesco Rossi (Carmen), Joseph Losey (Don Giovanni).

E para quem teve o privilégio de assistir, ao vivo, no palco do Municipal carioca, final dos anos 70,  La Traviata sob o extasiante comando concepcional de Zeffirelli, fica difícil conseguir escapar do desafio estético comparativo daquela com outras montagens. Mas de lá para cá, vez por outra, acontecem surpresas em relação a esta ópera, como a direção de Jorge Takla no Municipal paulista, em 2018 ou, agora, em outra volta por cima, através da versão cênica de André Heller-Lopes.

Onde o primeiro grande destaque é a diferencial arquitetura cenográfica de Renato Theoblado à base de ferro fundido que remete a alguns espaços icônicos da capital francesa como a Gare d’Orsay e a Torre Eiffel ou o Palacio de Cristal em Petropolis, lembrando que há outro exemplar de sua potencial criatividade no musical Beetlejuice, atual cartaz na Cidade das Artes. Tendo ao seu lado o requinte habitual dos figurinos de época concebidos por Marcelo Marques, tudo ressaltado comme il faut sob os efeitos luminares entre sombras de Gonzalo Córdova.

Destacando-se, ainda, um grupo de bailarinos especialmente convidados por Bruno Fernandes e Matheus Dutra que imprimiram à corporeidade dançante um subliminar sotaque entre o neoclássico e o contemporâneo. Sabendo como fugir à tradição mimética, numa alterativa performance masculina e feminina, longe de qualquer preconceito na personificação identitária seja de ciganas ou de toureiros no Ato III.

La Traviata. André Heller-Lopes/Direção Cênica. Ludmilla Bauerfeldt e Lício Bruno. Fotos/Daniel Ebendinger

A Orquestra Sinfônica do TMRJ, conduzida sempre com artesanal empenho pelo maestro Luiz Fernando Malheiro, um expert de longa data nas leituras operísticas. E que procurou evitar os habituais cortes na retomada da integralidade de partes da partitura original, principalmente no encontro da Provence/Ato II (Violeta, Giorgio e Alfredo), com certo prejuízo rítmico no andamento destas cenas.

Num momento em que a ópera cada vez mais vem experimentando um processo de renovação, com um olhar armado na contemporaneidade, não se pode assumir uma postura conectada apenas à rigorosa tradição. Estes ares novos alcançam diversos patamares da representação hoje de clássicos do repertório operístico, desde que se saiba como manter  a essência básica da obra no seu dimensionamento temático/musical.

No caso especifico desta montagem, pode soar como desnecessário o arroubo de violência que não condiz com o lado conciliador do personagem Giorgio Germont. Ou a transmutação da última cena numa imagética visão de uma Violeta Valéry post-mortem, incomodar aos que não aceitam qualquer quebra da narrativa consagrada. Mas, neste caso, realizada com tal esmero direcional por André Heller que o flashback da mente delirante de Violeta, não consegue impactar a prevalente continuidade de brilho cênico/musical alcançado por esta montagem.

A começar do acerto da escolha de  um cast protagonista de primeiro nível. Do bonito e revelador timbre de um convicto tenor lírico (Matheus Pompeu), cativante mesmo com um toque discricionario em sua atuação atoral como Alfredo Germont, desde a envolvência da cena do brinde, ao apelo comovente do epílogo. Seguindo-se, o convincente presencial e o irresistível apuro vocal do Giorgio Germont de Lício Bruno, em sua reconhecida maturidade qualitativa como um dos nossos melhores expoentes na tessitura de baixo barítono.

De corpo, sangue e alma, sem dúvida é com o mais absoluto domínio vocal e cênico que a Violeta de Ludmilla Bauerfeldt é transmutada  na presença mais estelar desta Traviata, prima donna absoluta como soprano coloratura e esplendorosa em sua performance dramática de atriz. Capaz, assim, de provocar paixão enquanto cortesã, entre a elegância aristocrática e a sordidez da vida mundana, e lágrimas pela força emotiva com que assume seu trágico destino final.

Tudo, enfim, concorrendo para absorver desta La Traviata uma carismática manifestação interativa palco/plateia, fazendo com que seus calorosos aplausos sejam merecidamente extensivos à tão acertada iniciativa da atual direção artística do TMRJ...

 


                                           Wagner Corrêa de Araújo

 La Traviata está em cartaz no Theatro Municipal/RJ desde o dia 17 de novembro, com dois elencos e com as últimas récitas nesta sexta-feira e sábado, às 19h; até domingo, às 17h.



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