"O NAVIO FANTASMA", NO THEATRO MUNICIPAL DE SP, CENTRALIZA O MAR E IMPACTUA O MUNDO MASCULINO COM O FEMININO. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA ESPECIAL PARA O BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Composta entre 1840 e 1841, esta ópera é considerada um ponto de viragem na carreira de Wagner, marcando o início da sua maturidade criativa e a sua transição para temas e concepções de ópera mais filosóficas e poéticas. Embora tenha proporções menos ambiciosas que os seus dramas líricos posteriores, consolida a sua visão e estilo altamente simbólico e mítico, ao mesmo tempo que inclui temas que serão frequentemente revisitados nas suas óperas mais representativas como a perdição, o desejo e a redenção através do amor. .
Ópera em três atos com música e libreto em alemão composto por Richard Wagner ., que viveu entre 1813 e 1883. Baseada em As Memórias de Herr Schnabelewopski, de Heinrich Heine, a peça estreou no Königlich Sächsisches Hoftheater, em Dresden em 2 de janeiro de 1843. Na Filadelfia, apresentaram-na em 1876 e em Buenos Aires, entretanto, muito mais tarde, em 24 de agosto de 1934. No Theatro Municipal de São Paulo, já quase quarenta anos de sua última apresentação, ocorrida em 23, 25, 27 e 29 de março de 1984.
O abandono das árias, duetos e outras formas musicais, foi um resultado lógico, diz o compositor, da necessidade inerente à própria essência do seu tema. Aliás, foi sem dúvida sob a influência do começo do primeiro movimento da Nona Sinfonia de Beethoven, que Wagner concebeu seu tema do holandês. Isso se torna mais evidente se considerarmos que, em Beethoven, o intervalo harmônico se desenvolve também em estilo melódico entrecortado de quintas e de quartas, na verdade, descendentes ao passo que em Wagner eles são ascendentes.
Pablo Maritano comenta: Essa nova fase do compositor é expressa em certas inovações: ele utiliza o recurso do "leitmotiv", temas musicais fragmentados, que transportam a narrativa dramática com a sua carga identitária. Às vezes são personagens, às vezes são ideias, às vezes objetos. Por outro lado, temos o mar, que, embora não tenha motivo musical, é o enquadramento de toda a obra, permeando-a com a sua hostilidade ameaçadora. Centrado nessas afirmações é que Maritano e Desirée Bastos se guiaram rumo à encenação de "O Navio Fantasma", ora no palco de nosso Theatro Municipal, cujo polo é o mar, deixando-o transparecer como idéia dominante, como também impactuar o mundo masculino com o mundo feminino e a redenção através do amor.
O que caracteriza um bom espetáculo operístico é a riqueza de ideias; o alto nível de seu elenco artístico e sua visualidade cênica. Nessa abordagem cênica; o que se vê, é um sobe e desce do elevador de palco, coadjuvado pela iluminação expressiva de Aline Santini e o design de vídeo, de Matias Otálora, que projeta inúmeras visões do mar em diversas situações temporais. A cenografia de Bastos é paupérrima e quanto aos seus figurinos pode-se afirmar que primam nas tristes e cromáticas tonalidades de cinza, tornando tétrico o espetáculo desde o seu início>. A falta de imaginação caracterizou a cenografia e o figurino de Desirée Bastos.
A abertura, que no gênero é a peça orquestral mais fina que o mundo conheceu depois das grandes "Leonoras", de Beethoven, foi escrita por Wagner depois de terminar toda a ópera. A Orquestra Sinfônica Municipal brilhou na execução,dosando também o volume junto aos solistas, de modo a impedir que ela se sobreponha às vozes, as quais foram ouvidas plenamente, ainda que nas passagens mais densas. O Coro Lírico Municipal revelou versatilidade de seu repertório e densidade musical, com bom preparo de seus regentes, Mario Zaccaro e Erica Hendrikson. Belas versões do coro das fiandeiras (aqui transformadas em bordadeiras, sem fundamento algum.....;) e do coro dos navegadores, Ato III, seguido por página complexa em sua estrutura musical.
O barítono Hermán Iturralde reeditou a sua personificação do Holandês já vivida na Argentina. Essa tessitura híbrida tem permitido a muitos barítonos chamados "centrais" o desempenho do papel. Hans Hotter e Theo Adan, o cavaleiro sobre o barítono e o baixo, podem dar ao Holandês sua dimensão aterradora, sem recorrer aos soluços melodramáticos. Interessante que ninguém sabe o nome do Holandês......todos o chamam por Holandês... Seu bonito timbre conduzido em boa escola, interpretou o monólogo "Die Frist ist um" no Ato I com sobriedade, bem como o dueto com Daland e, depois, com Senta (Ato II)
Senta requer um soprano dramático, à vontade com as notas graves, que são muitas, e capaz de cobrir uma orquestra maciça até o si natural com elasticidade. Carla Filipcic possui boa técnica e, em nenhum momento, foi encoberta pela maciça orquestração wagneriana. Bastante razoável a sua balada cantada no Ato II, em que ela descreve a lenda do navio fantasma, como o seu dueto com o Holandês "Wie aus Ferne".
Daland, o capitão norueguês, o pai de Senta é um baixo. Em geral, os intérpretes desse papel, cantam também o rei Marke de "Tristão e Isolda", Henri l"Oiseleur, de Lohengrin e o sério Gurnemanz, de Parsifal. Martti Talvela, Ludwig Weber e Matti Salminen, foram grandes Dalands... Luiiz-Ottavio Faria deu interpretação correta, lançando belos graves.
Kristian Benedikt, cuja voz é possante, não é um "heldentenor", pois Wagner ainda não o empregava, apenas um tenor dramático, por enquanto. A atuação de Benedikt foi capaz de passar a sua cavatina à italiana do III ato, como também a sua ária do ato II.
Giovanni Tristacci faz um Timoneiro de lindo timbre vocal, com razoável correção; bem cenicamente em suas atuações, e Regina Elena Mesquita, numa parte grave demais para o seu registro, cuja voz oscilou no canto devido a grande desgaste vocal.
O espetáculo transcorreu sem nenhum intervalo, numa ópera que subdivide-se em três atos. A explicação não foi esclarecida pelos diretores cênico e musical. Muitos se retiraram da sala principal do Theatro Municipal de São Paulo. Vale ressaltar que para o ano vindouro, essa mania de juntar atos não se estabeleça, uma vez que teremos títulos de peso no repertório lírico, já a partir de 15 de março quando será apresentada "Madama Butterfly", seguida de "Carmen" (maio); O Contratador de Diamantes, de Mignone (28 de junho a 02 de julho). O Castelo de Barba Azul ; O olhar de Judith (julho); Nabucco (Verdi) a partir de 27 de setembro) e a ópera-tango Maria de Buenos Aires, de Piazzolla, em novembro .
Escrito por Marco Antônio Seta, em 19 de Novembro de 2023.
Jornalista inscrito sob nº 61.909 MTB / SP
Licenciado em Artes Visuais pela UNICASTELO, em São Paulo
Diplomou-se em piano, História da Música, teoria e solfejo, harmonia e contraponto.no Conservatório "Dr. Carlos de Campos", em Tatuí, SP.
se atualize, o compositor escreveu para que não tivesse intervalo, ordem de Wagner . bom sempre dar uma pesquisada antes de escrever .
ResponderExcluirEcxelente o comentario de Marco Setta. Pertinente ao espetaculo. Existem cantores, que deveriam sair de cena. Aprendam a encenar e atuar. Falo com catedra. Prof. Dr. Eldo Mello
ResponderExcluirOntem fui ao Teatro Municipal assistir o Navio Fantasma. Adorei em questão de montagem, cantores e espetáculo, mas uma coisa me incomodou profundamente... Escuto essa Ópera desde meus 10 anos de idade, ou seja, 40 anos e conheço muito bem sua estrutura musical… Estava na platéia, fileira L central… o que me incomodou foi a intensidade sempre em forte / fortíssimo da orquestra em relação aos cantores… pobres cantores se esgoelando para conseguirem ser ouvidos. Ou o Mincziuk está surdo ou não conseguiu equilibrar o som da orquestra com os cantores. Nessa montagem, os cantores estavam sempre afastados da boca de palco, do meio para trás e com aquela tela de projeção na frente que, quer queira ou não, deve tirar um pouco de reverberação e intensidade vocal também. Outra coisa que me incomodou foram os ritmos mais rápidos do que normalmente se faz e sem um término e início de frases sem um respiro sequer… parecia um discurso sem respirar entre uma frase ou palavra… faltava até ar…. Mas ao final, foi um privilégio ter assistido uma ópera de Wagner aqui no Brasil, algo tão raro… mas mais um comentário… o que está aquele Teatro Municipal no entorno à noite, hein? Esse é o verdadeiro Navio Fantasma nos seus porões… que triste…
ResponderExcluirNa terça-feira 21/11 Minczuk quase arruinou tudo... tudo muito forte na orquestra. Ele é vaidoso e quer que a ópera seja um concerto sinfônico, mas nunca será. Não sabe reger uma ópera. Vá aprender.
ResponderExcluircada vez melhor , um luxo termos esse maestro no Theatro
ExcluirFui lá ver dia 24 o Navio Fantasma e fiquei a pensar se o elevador de palco travasse e não funcionasse. Não sobraria nada da cenografia de Desiree Bastos. Já pensaram nisso ?
ResponderExcluirAssisti a récita de 18 de novembro, sábado. Gostei da apresentação e destaque para Eiko Senda que interpretou Senta. Em montagem recente do Met de Nova York também não houve intervalos.
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