CABARÉ CORAGEM / GRUPO GALPÃO: EM TRANSGRESSIVO IDEÁRIO POR UM TEATRO DE RESISTÊNCIA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


Cabaré Coragem. Grupo Galpão. Júlio Maciel/Direção. Dezembro/2023. Fotos/Mateus Lustosa.


Na passagem de suas quatro décadas o Grupo Galpão retoma seu diálogo com o ideário politico e dramatúrgico de Bertold Brecht, iniciado em 1982, por intermédio da sua montagem inaugural - A Alma Boa de Setsuan.  E, agora, como o primeiro espetáculo pós surto pandêmico e num intuito, além do fator comemorativo, de advertência e de denúncia para que não se repitam os riscos antidemocráticos propugnados pelo nosso último (des)governo.  

Cabaré Coragem não deixa, assim, de mostrar em sua proposta a pulsão de resistência cultural e política que sempre marcou a trajetória do mais emblemático grupo teatral das Gerais. Em concepção cênica, musical e coreográfica, que se sustenta na prevalente interação palco/plateia, atores/espectadores. E numa empatia que é provocada desde a primeira canção com seu simbólico recado : “Teatro, no fundo és puro teatro, falsidade ensaiada, estudado simulacro”...

Contando, aqui, com o experiente elenco do Grupo Galpão, desdobrando-se numa dramaturgia coletiva sob a supervisão de Vinicius de Souza, onde a direção concepcional fica com Júlio Maciel. Em mais um tributo conceitual à estética brechtiana do distanciamento e por um “teatro épico” que leva à reflexão e ao engajamento na causa politico/social, contra o capitalismo e a favor dos menos favorecidos.  Enunciada já a partir da simbólica titulação da peça Cabaré Coragem, inspirada na carismática personagem Mãe Coragem e lembrada na instigante fala de Teuda Bara vivenciando esta personagem.

Cabaré Coragem. Grupo Galpão. Júlio Maciel/Direção. Dezembro/2023. Fotos/Mateus Lustosa.

Em espetáculo que reúne sete de seus incríveis e referenciais atores (Antônio Edison, Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Luiz Rocha, Lydia Del Picchia, Simone Ordones e Teuda Bara) e uma equipe tecno-artística que vem sempre imprimindo sua qualitativa marca às criações do Grupo Galpão, desde os funcionais efeitos luminares (Rodrigo Marçal) à expressiva trilha sonora.

Esta última com uma banda ao vivo, sob os arranjos de  Luiz Rocha, com citações de um repertório que vai da ambiência de teatro musical da lavra Bertold Brecht/Kurt Weill (identificada em temas como Alabama Song) ao melodrama brega de Coração Materno (Vicente Celestino) ou de Perigosa, sucesso de Rita Lee com as Frenéticas. Com notável participação dos acompanhamentos do público, incitado pelos atores transitando quase sempre entre as mesas.

Ressaltando-se, ainda, a cenografia minimalista com um sotaque burlesco/circense e os figurinos aquarelados onde Márcio Medina procura reproduzir a ambientação típica daquelas casas de encontros e prazeres à base de muita música, dança, comédia, circo e bebida.

Tanto podendo se referir àquele espaço originário da Alemanha entre guerras, onde a dupla Brecht/Weill se notabilizou com suas operetas, à perceptível busca de tonalidades de uma brasilidade de escracho e decadência que chega a sugestionar uma certa similaridade deste Cabaré Coragem com aqueles bordéis de beira de estrada.

Com momentos potencializados em cenas diferenciais como a dialetação de um Ventríloquo (Eduardo Moreira) com uma Bonequinha (Inês Peixoto) tentando exemplificar em linguagem de aporte absolutamente fácil e sob tons irônicos, os mecanismos da luta de classes, no desafio à exclusiva concentração de riquezas e à exploração dos mais fracos pelos detentores do poder.

Tudo alternado com fragmentárias cenas de energizado exibicionismo acrobático por Eduardo Moreira e Antônio Edson ou debochadas incursões na idiotice de personagens políticos ou na intolerância de tipos femininos, bem característicos no último staff presidencial.

Para, afinal, no entremeio desta divertida e mordaz viagem teatral ao grotesco universo das hipocrisias  políticas e sociais, tornar cada vez mais  urgente a lição que este singular Cabaré Esperança acaba trazendo, a partir de um  expansivo pensar teórico do próprio Bertold Brecht:

Ele o ator deve representar tudo com prazer, especialmente o horrível, e mostrar o prazer que tira disso. Quem não ensina divertindo e não diverte ensinando não tem nada o que fazer no teatro”...


                                           Wagner Corrêa de Araújo


 Cabaré Coragem está em cartaz no Teatro Rival/Cinelândia, de quarta a sábado, às 19h30m ; domingo, 18h30m. Até 10 de dezembro.



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