O CORSÁRIO : EM ARTESANAL PERFORMANCE SOB EXOTISMO CÊNICO ORIENTALISTA, O BALÉ DO MUNICIPAL FECHA A TEMPORADA 2023. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DA ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.



O Corsário/Balé do Theatro Municipal. Dezembro/2023. Fotos/Daniel Ebendinger.


O empenho técnico e artístico para fechar qualitativamente a Temporada 2023, com uma luminosa versão de O Corsário, mostra como o Balé do Theatro Municipal está no caminho certo para recuperar seu prestigioso lugar como a mais tradicional companhia clássica do País.

Depois de tantos descaminhos e crises nos últimos anos, já lá vão aparecendo os primeiros e sintomáticos bons frutos, como a surpreendente revelação destes novos talentos, resultado de uma criteriosa seleção temporária para preencher os defasados quadros do seu Corpo de Baile.

E da auspiciosa notícia de que aconteça finalmente, em 2024, o tão ansiado concurso em moldes oficiais, não só para assegurar a permanência dos que serão escolhidos entre os melhores, como de incentivar, ainda, outras descobertas, desta vez em caráter definitivo.

Devendo se estender o aplauso entusiástico do público ao ideário de seus realizadores - o diretor do BTM Hélio Bejani, também responsável, ao lado de Jorge Texeira, pela bela remontagem e adaptação a partir do original de Marius Petipa, inspirado apenas subliminarmente na temática da narrativa ficcional de Lord Byron, datada de 1814.


O Corsário/BTM. Montagem e adaptação idealizada por Hélio Bejani e Jorge Texeira. Dezembro/2023. Fotos/Daniel Ebendinger 


Além da convicta atuação da OSTM sob o comando do maestro Jésus Figueiredo que soube como dar conta de uma partitura fragmentária, com prevalência de energizados acordes ligeiros de vários compositores (Adolphe Adam, Cesare Pugni, Leo Delibes e Riccardo Drigo).

Onde a plasticidade da arquitetura cenográfica (Manoel dos Santos) ficou rigorosamente presa à tradição acadêmica, em suas referências pictóricas de uma ambiência orientalista. E na superposição do recurso de telões  que mostram desde o típico interior de um palácio otomano às cenas externas ora num mercado, ora entre rochas à beira mar no acampamento pirata.

Incluído aí um elegante figurino (Tania Agra), rico no detalhamento identitário da tipicidade exótica do Extremo Oriente, portentoso no brilho de bordados e entalhes nos corpetes e tutus, reluzente  nas vestes das escravas do harém de um paxá, às túnicas e turbantes equalizados nas cenas grupais masculinas. Tudo isto ressaltado pela predominância da funcionalidade de vazados efeitos luminares (Paulo Ornellas).

Embora se apoie numa trama rocambolesca de exploração sexual, no entremeio de disputas violentas pela venda e pela posse das escravas entre mercadores, paxás e piratas, flores envenenadas e delírios pelo ópio, uma  ancestral temática já não muito apropriada ao empoderamento feminista de hoje.

Paralela a uma romantizada paixão provocada por Medora, uma das escravas traficadas, pelo pirata e corsário Conrad. Tudo intermediado por agitadas danças de caráter principalmente masculinas, ao lado de gestos teatrais  miméticos ou solos e pas-de-deux mais líricos, na unicidade da entrega mostrada pelos solistas junto ao perceptível esmero do Corpo de Baile.

Dando chance aos diferentes elencos de protagonistas, a começar do casal enamorado Conrad Medora, aos serviçais como Ali ou a odaliscas submissas como Gulnara. Do bonito alongamento, arabescos e pulsantes elevações de Filipe Moreira na première de O Corsário à impactante performance do escravo Ali (José Ailton), com seus vigorosos giros duplos que potencializam a sua altivez corporal e uma bravura técnica extasiante no celebrado Pas-de-Deux a Trois.

Sem deixar de destacar a envolvente tessitura estética gestual das bailarinas Marcella Borges (Medora) e Manuela Roçado (Gulnara) imprimida com ênfase estelar absoluta, havendo de se notar, com certeza, que ambas terão pela frente uma potencial trajetória. Vi também Manuela Roçado como Medora, em outra récita, mas aí torna-se difícil usar palavras isoladas para definir sua insuperável força carismática neste papel, sem conecta-la à integralidade desta outra representação, dimensionando-a devidamente como parte de um todo.

Para quem assistiu à noite de estreia foi um momento muito especial reunindo o apuro concepcional cenográfico ao apelo virtuosístico de seus intérpretes, em espetáculo imperdível cujas récitas se estenderão até a antevéspera das festas natalinas e, quem sabe, podendo mesmo ser sugestionado como um diferencial regalo afetivo àqueles que amam a dança clássica...


                                          Wagner Corrêa de Araújo

 


O Corsário/Balé do TMRJ, está em cartaz no Theatro Municipal, até o dia 23/12, às 19h; com sessões especiais em 17/12, às 17h, e 19/12, às 14h.





Comentários