CABARET KIT KAT CLUB : DESCONTRAÇÃO MUSICAL IMERSIVA SOB A IMINÊNCIA DO PESADELO NAZISTA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Cabaret Kit Kat Club. Kleber Montanheiro/Direção Concepcional. Maio/2024. Fotos/Caio Gallucci. |
Desde sua première, em 1966, no West End londrino e na Broadway, Cabaret tornou-se um musical icônico marcado pela clássica saudação Willkommen às então descontraídas noites berlinenses de 1930. E tornando-se mundialmente adorado, especialmente a partir do filme de Bob Fosse, protagonizado por Liza Minelli.
E a novidade inglesa de sua transmutação em Cabaret Kit Kat Club vem obtendo um êxito inusitado nos grandes palcos musicais e, agora, em sua primeira temporada brasileira numa luminosa direção concepcional de Kleber Montanheiro, sob a funcional adaptação dramatúrgica de Mariana Elizabetsky, a partir das escrituras de Christopher Isherwood que inspiraram o musical de Joe Masteroff.
Desta vez, com o ideário de transformar o seu espaço cenográfico num palco arena circundado por mesas iluminadas, sugestionando aos espectadores, desde a sua entrada, um clima sensorial como se estivessem realmente dentro da discoteca berlinense. E onde o prólogo já começa com os atores/bailarinos, provocativamente em brincadeiras sensuais, se acercando atrevidamente ora de um, ora de outros.
Até que aparece Emcee, um mestre de cerimônias caracterizado por uma psicofisicalidade com sotaque de androgenia, em mais uma das convicentes personificações, marca do talento de brilho ascendente do ator André Torquato, com seu Wilkommen, Bienvenue au Cabaret, no subliminar recado de que aqui a vida é sempre linda, deixem seus problemas lá fora.
Cabaret Kit Kat Club. Fernanda Maia/Direção Musical. Com Fabi Bang. Maio/2024. Fotos/Caio Gallucci. |
A trama básica confronta duas histórias de amor, uma através do escritor americano Cliff Bradshaw (Ícaro Silva) que vai a Berlim em busca de temas para seu romance, onde acaba tendo um caso com a vulgar dançarina do Cabaret – Sally Bowles (Fabi Bang). E a outra, no romantizado amor da dona de hospedaria Fräulein Schneider (Anna Toledo) e o comerciante judeu Herr Schultz (Eduardo Leão).
Paralelas situações ficam com Ernst Ludwig (Bruno Sigrist) na dúbia personalidade de gentileza ocultando sua pulsão nazista e Fräulein Kost (Carla Vazquez) uma prostituta com prevalência de clientela naval, mais o empenho de um energizado elenco coadjuvante de atores/bailarinos, em interativa e energizada corporeidade gestual, na direção de movimento por Barbara Guerra.
Todos trafegando entre um palco principal em formato circular com duas extensões opostas, resultado da tríplice concepção de Kleber Montanheiro incluindo, além da direção, o cenário preenchido com inventivos elementos móveis e os figurinos com um sutil referencial de época.
Tudo ressaltado por precisos efeitos luminares (Gabriele Souza) com prevalentes tons de escuridão para propiciar a atmosfera envolvente, e ao mesmo tempo decadente, de uma ambiência à beira de tempos sombrios.
Onde o acompanhamento musical de uma orquestra feminina com dez instrumentistas, comandada pelo habitual esmero criativo na regência, arranjos e no teclado por Fernanda Maia, faz uma artesanal versão da trilha de John Kander.
Destacando-se no elenco protagonista o presencial instigante e o carisma espontâneo de André Torquato como Emcee e a performance empolgante e sinalizadora de Fabi Bang, lembrando que esta integrava o coro da memorável montagem de 2011 e, aqui, assumindo o lugar de Claudia Raia no principal papel feminino - Sally Bowles.
Sem esquecer o calor humano pleno de sensitividade que se expande da interpretação tocante de Anna Toledo como Fräulein Schneider. E nos personagens masculinos, convicta a atuação, embora ocasionalmente mais tímida, de Ícaro Silva como Clifford Bradshaw. Valendo citar ainda as boas intervenções de Eduardo Leão e de Bruno Sigrist.
A grande lição desta montagem está no dimensionamento estético/político que a autoridade cênica de Kleber Montanheiro imprime entre a busca do descompromissado hedonismo e a perspectiva do mal, representado pelo espectro nazi fascista que continua a nos rondar de tão perto...
Wagner Corrêa de Araújo
Cabaret Kit Kat encerrou no último final de semana sua primeira temporada, no 033 Rooftop do Teatro Santander/SP.
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