TARSILA, A BRASILEIRA : ALEGÓRICA INCURSÃO MUSICAL PELA TRAJETÓRIA DE UMA ARTISTA VISIONÁRIA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DA ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

Tarsila, a Brasileira. Anna Toledo/Dramaturgia. José Possi Neto/Direção. Claudia Rais/Protagonista. Maio/2024. Fotos/Paschoal Rodriguez.
 

“Quero ser a pintora de meu país”, uma afirmação predestinada de Tarsila do Amaral, em 1923, que acabou se transformando num signo emblemático de sua vida e obra, além de servir de mote a uma retrospectiva no MOMA – Modern Museum of Art de New York, inspira o musical Tarsila, A Brasileira.

Tanto por ser um nome visceralmente ligado a um processo de transmutação conceitual e estética da arte brasileira, como na afirmação comportamental de uma mulher com o olhar armado na contemporaneidade em seu empenho pelas causas políticas e sociais.

Tendo passado por alguns ciclos fundamentais da história artística e política do país, no século XX, deixando um legado memorial desde sua contribuição essencial na evolução vanguardista da arte brasileira, a partir da Semana Modernista de 1922.

Inicializada pelo empreendimento de autêntica e revolucionária brasilidade na sua pintura que ecoaria no Movimento Antropofágico, simbolizado na icônica tela titulada como Abaporu, com seu referencial do ato de deglutir a tradição pictórica européia por uma absoluta e libertária arte autóctone.

O espetáculo foi concebido numa proposta de roteirização e ideário dramatúrgico por Anna Toledo, com direção concepcional de José Possi Neto, tendo a atriz Cláudia Raia na protagonização titular, acompanhada de respeitável ensemble. Destacando-se, nos papéis principais, Jarbas Homem de Mello, Dennis Pinheiro, Carol Costa, Ivan Parente, Liane Maya, Keila Bueno e Reiner Tenente.

Tarsila, a Brasileira. Anna Toledo/Dramaturgia. José Possi Neto/Direção. Claudia Rais/Protagonista. Maio/2024. Fotos/Paschoal Rodriguez.

Onde um propulsor élan inventivo caracteriza a paisagem cenográfica em outra das potenciais criações de Renato Theobaldo, ao lado da habitual originalidade indumentária de Fábio Namatame, os dois componentes com sua plasticidade recorrendo a uma metafórica estilização dos temas e das cores dos quadros de Tarsila, aqui, ressaltados nos efeitos luminares de Wagner Freire.

Enquanto a trilha sonora, na dúplice idealização de Guilherme Terra e Tony Lucchesi, propicia uma funcional conexão na releitura de temas musicais conhecidos, sob imersivas harmonias e inéditos acordes. O que resulta numa sempre energizada e coesiva gestualização, pelo dimensionamento coreográfico de Alonso de Barros.

Para uma proposição narrativa que atravessa as fases felizes e trágicas do percurso existencial de Tarsila do Amaral, Cláudia Raia imprime uma performance capaz de cativar por intermédio

de uma especificidade interpretativa do personagem, na busca aproximativa ou identitária da sua psicofisicalidade, como artista e como mulher.

Enquanto o Oswald de Andrade, por Jarbas Homem de Mello, é apresentado no acerto da enunciação de falas irônicas ou provocadas por um certo sarcasmo crítico que remete às suas obras literárias. O que acontece também nas fluentes discussões polemizadas assumidas entre ele e os convictos escritores Mario de Andrade (Dennis Pinheiro) e Menotti Del Picchia (Ivan Parente).

Sem deixar de lembrar as dúplices participações deste último (Ivan Parente) como um Jean Cocteau diferencial. Ou dos arroubos da atrevida aproximação amorosa de Oswald pela amiga comum do casal – uma sedutora Pagu (Carol Costa) - o que leva ao rompimento definitivo da relação entre o escritor e Tarsila.

O apuro da teatralidade de um texto, naturalmente sujeito a liberdades ficcionais, não deixa de conceder competência reflexiva a um espetáculo lúdico, no entremeio de passagens musicais calorosas ou impressões introspectivas, quando inesperadas adversidades do destino possibilitam um compasso mais dramático.

O que a artesanal gramática cênica/direcional de José Possi Neto conduz com raro apuro em todas as suas sequências, até a explosão carismática da cena final com seu subliminar apelo por um tropicalismo carnavalesco, num alegórico jogo teatral vivo, unindo palco/plateia em expressivo aplauso à alma artística brasileira...

Wagner Corrêa de Araújo

Tarsila, a Brasileira. Anna Toledo/Dramaturgia. José Possi Neto/Direção. Claudia Rais/Protagonista. Maio/2024. Fotos/Paschoal Rodriguez.

Tarsila, a Brasileira, depois do sucesso no Teatro Santander/SP, apresentou-se em instantânea temporada no Vivo Rio, com apenas três dias, final de semana de 31/05 a 02/06.

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