LE VILLI / G. PUCCINI : TMRJ RESGATA, COM BRILHO, UMA OBRA RARA NOS PALCOS OPERÍSTICOS. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Le Villi/Giacomo Puccini. TMRJ. Soprano Marly Montoni e tenor Lazlo Bonilla. Setembro/2024. Fotos/Daniel Ebendinger.


Le Villi, aquela que seria a primeira incursão de Giacomo Puccini no gênero lírico, não foi selecionada para uma competição de óperas com um ato, em 1883. Mas acabou estreando no ano seguinte, numa primeira versão por interveniência do prestigiado operista Arrigo Boito, contando com apoio do editor Ricordi.

Sua boa receptividade levou o compositor a dividí-la em dois curtos atos mas sua lembrança foi eclipsada quando Puccini começou sua trajetória como um fenômeno nos palcos de ópera, tornando-se mais comuns seus registros fonográficos, a partir dos anos 50, e raríssimas montagens presenciais.

Idealizada a princípio como uma ópera-ballet a partir da inspiração de seu libreto na mesma narrativa gótica do balé Giselle, de 1840, com sua origem mítico-lendária no entorno fabular da Floresta Negra. Ali a jovem camponesa Anna decepciona-se amargamente com a partida, sem volta, de seu namorado Roberto, sob a desculpa de receber uma grande herança, mas acabando por se envolver com uma cortesã.

Morta por desgosto e melancolia, enfeitiçada pelo espectro de uma fada malévola, se transforma numa das Villis, aguardando o momento da vingança contra seu ex-amado. Diante dos lamentos dolorosos de seu pai GuglielmoRoberto retorna arrependido não convencendo nem Anna nem a líder das Villis que, enfim, o fazem sucumbir numa dança diabólica.

Le Villi. Felipe Prazeres/Regente OSTM/RJ. Cláudia Mota, coro e bailarinos. Setembro/2024. Fotos/Daniel Ebendinger.

No enredo em duas partes, há a intervenção, apenas narrativa, de um quarto personagem que nesta versão definitiva, explica os mistérios de uma trama de mistério, paixão e vingança, possibilitando a sua melhor compreensão palco/plateia. Com uma caixa cênica (Fael Di Roca) que sugestiona o campo primaveril de trigo e flores se transmutando num reino das sombras.

Habitado por espectrais vultos das Villis, no exercício pleno de seus poderes maléficos. Em qualitativa direção concepcional por Bruno Fernandes e Mateus Dutra, extensiva a uma energizada coreografia protagonizada por Cláudia Mota e bailarinos convidados do BTM/RJ, além de uma participação especial do ator ítalo/brasileiro Nicola Siri, como o narrador.

Havendo, ainda, que se destacar os funcionais figurinos (Renan Garcia), entremeando tonalidades claras ou soturnas, num paisagismo metaforizado entre a noite e o dia, sob acertados efeitos luminares e projecionais (Isabella Castro e Jonas Soares).

Mostrando os bons resultados de uma Oficina de Ópera capaz de revelar, assim, jovens talentos e surpreendentes artífices do espetáculo operístico. Ao lado de integrantes dos naipes profissionais do Coro e Orquestra Sinfonica do TMRJ, sob uma sempre artesanal direção e regência do maestro titular Felipe Prazeres.

Onde a partitura já revela algumas passagens sinfônicas que antecipam a futura escrita operística de Puccini, das harmonias aos fraseados, e que se tornariam sua marca criativa singular. Em cerca de dez óperas posteriores, a maioria delas merecedoras do aplauso do público e o reconhecimento da crítica.

No caso específico de Le Villi sendo já demonstrados na melancolizada romanza evocativa da paixão de Anna (soprano Marly Montoni) no Ato I – Se come voi piccini, pela partida do amante Roberto (tenor Lazlo Bonilla) que, por sua vez, ecoa seu nostálgico arrependimento na exponencial ária Torna ai felici di, do Ato II.

Embora, no dueto inicial da ópera, as dúplices vozes soem com um certo contraste, a potencializada vocalização da soprano com um tom acima em seu vibrato e o tenor com sua tessitura de suavidade lírica perdendo alcance diante da orquestra.

Completando as performances vocais, destaca-se o envolvente timbre baritonal de Santiago Villalba como Guglielmo expressando revolta pela morte de sua filha Anna. Sem deixar de referenciar também a convicta participação do corpo coral na emotiva cena fúnerea além palco.

Por tudo que se viu nesta segunda Oficina de Ópera vale ressaltar, aqui, a importância desta iniciativa da direção artística (Eric Herrero) do Municipal carioca. Sustentada, antes de tudo, pela perspectiva de abrir horizontes, por intermédio de uma nova geração de criadores, para incentivar um gênero cênico-musical tão pouco valorizado em nosso país...

                                            Wagner Corrêa de Araújo



Le Villi/G.Puccini encerou a II Oficina de Ópera do TMRJ, incluída a estréia mundial de Candinho, de Guilherme Ripper, e o intermezzo La Serva Padrona, de Pergolesi, entre 12 a 21 de setembro.

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