"NABUCCO", OBRA PRIMA ABSOLUTA DE VERDI E SOLERA NA VISÃO DE JATAHY EM SUA VERSÃO ATEMPORAL. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

      


 "Nabucco" drama lírico em quatro partes (libreto de Temistocle Solera) estreou no Teatro alla Scala de Milão a 09 de março de 1842 e Verdi com esta ópera, e depois com outras de sentido patriótico, tornou-se o líder espiritual do período irredentista italiano, período este, em que as forças imperiais austríacas subjugavam o norte da penúnsula itálica. E foi com grande e esplendoroso sucesso que Nabucco foi recebido pelo público milanês e, após, por todo o povo italiano. 

               Ao Theatro Municipal de São Paulo acorreu sequioso público na noite de estreia, sexta-feira 27/9/2024 para conferir a produção do Grand Théâtre de Genève, Suiça. lá estreada em junho de 2023. Christiane Jatahy realizou uma ópera-documentário que revigora a metáfora bíblica de Verdi e Solera ao apresentar as palavras daqueles que enfrentam tiranos e extremistas pelo mundo afora e que permeiam ainda hoje em meio às sociedades. Nessa oportunidade Jatahy comete erros imperdoáveis de marcação cênica, ao interpor personagens menores ao de Abigaille, preterindo-a ao segundo plano em momentos em que esboça o seu canto delineando o terceto "Io t'amava ! Il regno, il core..." (Parte I).
              As palavras aqui são muito, talvez até gentis demais. A contemporaneidade reside sobretudo nos trajes dos protagonistas, vestidos como a maioria das pessoas, com exceção de um traje de prisão imposto a Fenena, filha de Nabucco capturada pelos hebreus e,  de uma imensa tela que se torna um tanto confinante para Abigaille.

             Os vídeos são projetados em dois grandes espelhos que se movem e permitem brincar com os reflexos dos cantores. Servem de suporte de projeção para imagens filmadas "ao vivo" com close-ups dos protagonistas principais ou dos cantores para ficar o mais próximo possível de suas emoções. Também são exibidas cenas previamente filmadas com esses mesmos protagonistas e também com os figurantes, vinte e cinco (25) refugiados que ocupam um lugar importante no elenco e no vídeo.

               Ademais a diretora cênica é simplesmente tenebrosa quando coloca partes do coro fragmentado aos limites de área da sala de espetáculos; desmembrando assim o conjunto vocal; usando ainda espelhos como subterfúgio ao desenvolvimento cênico. Cantado duas vezes o "Va pensiero", a primeira no palco (quadro II da parte III) e a segunda, na plateia e balcões, à "Cappella",  uma inovação barata, se considerarmos que não é página escrita por Verdi.  O interlúdio preparado por Alan Woobridge, nos leva a cantos cinematográficos à medida que cada inflexão é incorporada.

                 Ao Coro Lírico Municipal, preparado por Érica Hindrikson, pode-se conceder um "bravo" reconhecendo-se que sua atuação foi o melhor da produção deste Nabucco. Tanto nos coros "Gli arrevi festivi" como no "Va pensiero, sull'ali dorate" ou nos concertatos das partes  I e II e na invocação "Immenso Jeovha" na parte final,  a competência coral brilhou no espetáculo. Lamenta-se a amputação da direção musical,  do belo coro inicial da parte III "É l'Assiria una regina", o que se torna inominável. Quanto ao maestro Roberto Minczuk dele obteve-se uma regência instável desde a sinfonia que inicia a ópera e em alguns andamentos inexplicavelmente alterados. Assinale-se que a nossa orquestra encontra-se desfalcada, com lacunas principalmente nas cordas friccionadas, resultando em prejuízo ao resultado de massa sonora, observando-se também,  a ausência da segunda harpa, considerando-se que na escrita de Verdi, há em Nabucco, o apontamento de duas harpas. E o órgão Tamburini silenciou uma vez mais, no célebre Va pensiero...completando agora 8 (oito) anos sem apresentação alguma no Theatro Municipal. (2017 a 2024)....Um magnífico orgão de tubos, importado da Itália,  em 1969,  que só ornamenta a sala de espetáculos e,  já desconhecido  pela nova geração,  que alí está frequentando o nosso Municipal de São Paulo. Inexorável !  

                   Aos solistas destaque para um Zaccaria de grande envergadura de Savio Sperandio (baixo cantante) que imprimiu veracidade ao sumo sacerdote. Igualmente o Ismaele do tenor Enrique Bravo que soube preencher o seu personagem; sobressaindo-se em "Per amor del Dio vivente dell'an atema, cessate!

                   Alberto Gazale, barítono italiano, tem se apresentado na Itália atualmente como diretor de cena no Ente Concerti Marialisa de Carolis, em óperas:  La Bohème, Otello, de Verdi entre outras. Nesta interpretação de Nabucco verificou-se uma atuação com boa postura e de inserção ao papel, constituído pela megalomania,  a loucura e o desespero;  entretanto, a sua energia vocal já aponta para a modéstia do declínio. 

                   A Abigaille de Masha Thompson apresentou diversos pontos a registrar: a voz desgastada do soprano não corresponde às exigências deste que é um dos mais complexos personagens ao qual Verdi destinou `a Giuseppina Strepponi, que apesar de na primeira noite não ter estado nas melhores condições de voz para esse papel, a plateia mostrou-se imensamente entusiasmada perante a sua Abigaille. Mais ainda, Giuseppe Verdi se uniria a Giuseppina por dezenas de anos. como sua fiel companheira. Thompson expôs defeituosa coloratura, ausência de graves e notas de peito; acrescente-se a sua atuação cênica insatisfatória à heróica e presunçosa performance de Abigaille. 


                    No papel da irmã caçula Fenena,  ouviu-se  Luísa Francesconi, em momentos de elevada musicalidade em "Oh, dischiuso è il firmamento"; a sua cena de libertação. Nos demais papéis, perceberam-se Lorena Pires (Anna, irmã de Zaccaria); Rafael Thomas (Gran Sacerdote da Babilônia) e Eduardo Góes (Abdallo, oficial a serviço de Nabucco). 

                  Nabucco, o primeiro sucesso de Verdi, ópera retomada com frequência nas últimas décadas nos mais variados teatros do mundo, evidencia o bem sucedido empenho de caracterização musical dos personagens e a efetiva participação do coro na arte de garantir os coletivos cênicos. 

Escrito por Marco Antônio Seta, em 28 de setembro de 2024
Jornalista inscrito sob nº 61.909 MTB ´SP
Licenciado em Artes Visuais pela Unicastelo, em São Paulo
e diplomado pelo Conservatório Musical "Dr. Carlos de Campos"

Comentários

  1. Christiane Jatahy, diretora de cena do espetáculo , usou como veículo, a música de Verdi para expandir as suas idéias de liberdade, das guerras atuais no mundo e acentuar o drama dos foragidos .

    O maestro Minczuck cortou trechos importantes no terceiro ato e excluiu instrumentos na orquestra (arpa e órgão) . O resultado foi desastroso uma ópera tão linda como 3 esse Nabuco.

    Ouvi várias para a encanadora e ela mereceu pelo exagero e excesso de informações , deixando o público atordoado em meio a tanta confusão.

    Por fim, gostaria de registrar que a veracidade da crítica de Marco Antônio Seta , conhecedor que é do teatro e das óperas .

    Saudade senti quando vi aqui no Teatro Municipal do Rio de Janeiro , um Nabuco de verdade , original,fiel ao estilo e principalmente , sem essas loucuras de Christiane Jatahy e com um maestro que realmente entende da Ópera Nabuco de Verdi.

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    1. Não somente a exclusão de harpa e órgão de tubos ou sinfônico chama a atenção nessa montagem da ópera Nabuco, de G.Verdi. Passou totalmente desapercebido do público e da crítica que pela primeira vez na história desse teatro de ÓPERA as intervenções da Banda Sul Palco, foram tocadas uma GRAVAÇÃO, não havia uma Banda na coxia , como deveria ser. Uma grande economia para a Sustenidos Organização Social de Cultura, que deixa de contratar músicos extras.

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  2. Sucesso. Marco Antônio. Concordo com você.abs. Prof. Dr. Eldo Mello

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  3. Marco. Tinha muitos cantores estereotipados e outros cheio de Clichês. Direção péssima. Na minha análise. Como Professor Dr. E artista e Diretor. ' E muito difícil, construir personagens. Não tem eu acolho. Tem que estudar e muito. Eldo Mello

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  4. https://youtu.be/AlFLVPBqesg?feature=shared

    Isso é NABUCO, isso é Verdi. JáTáAí o suficiente e necessário, sem lacração.

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  5. Barbaridade do Roberto Minczuck......colocar uma gravação da banda sul palco. Nunca se viu isso em nenhum teatro mundo afora! Chega de enganar ao público e menos vaidade dessas afrontas com o público.

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  6. Uma trapaceada no público, desse Maestro. Caso de averiguação jurídica em São Paulo.
    .Basta de trapacear o público de São Paulo.

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  7. Pois é Dr. Eldo Mello; não tem eu acolho, não ! O que precisa é saber o que pode ou não pode, quem pode cantar ou não esta ópera, e principalmente, que não se pode mutilar a ópera a bel prazer, simplesmente para economizar cachês artísticos, ou por quê não acha aquela parte importante nas óperas, ou ainda para satisfazer aos caprichos de seus diretores de cena, inimigos que são do teatro lírico; sempre em detrimento das obras líricas de seus diversos compositores; aliás, como se tem feito continuamente no Theatro Municipal de São Paulo; citamos as óperas Aída, Il Guarany, Nabucco e quantas mais serão ? Qual será a próxima obra mutilada ?

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  8. Excelente texto.
    Assisti ao 2o elenco em que a soprano Marigona Qerkezi me impressionou bastante. Gostei muito dela!
    Um crime este órgão estar sucateado ainda mais sabendo que pagamos muito caro pela sua reforma há anos atrás!

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  9. Se isso acontecesse na ópera de Paris ou no MET de N.Y. o sindicato dos músicos entraria na hora para impedir, mas aqui nessa terra sem lei acontece essa barbaridade e nada acontece. Alguém avise o SINDMUSP e espere sentado nada acontecer.

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  10. Pois é meu caro ! Aqui a administração do Theatro Municipal de São Paulo não está conseguindo respeitar o público que paga tudo. Ora para quê consertar o órgão Tamburini Cátedral se ninguém cobra, ninguém questiona ?
    A verba é desviada para os encenadores das óperas, verdadeiros lacradores da tradicional ópera Universal. Imagine quanto eles ganham para fazerem isso com as óperas. Dinheiro público, repassado da PMSP para a Sustenidos Organização Social de Cultura.....

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