"ALCINA" E O BRANCO TOTAL RADIANTE NO THEATRO SÃO PEDRO. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Marília Vargas como Alcina, foto Internet.
Posso afirmar que o ser humano mudou drasticamente nos últimos vinte anos, o que dizer então de 283 anos quando estreou a ópera "Alcina" de Händel. O desafio de montar uma ópera concebida há tanto tempo é hercúleo.
Ópera barroca tem tudo para desagradar ao público: a ação é lenta, as árias são longas, a duração é enorme para os tempos de celulares conectados 24 horas, as orquestras não tem experiência nesse estilo e é um desafio no Brasil conseguir solistas capacitados.
Não é por acaso que o título ficou no arquivo morto por mais de duzentos anos. Foi relembrado por algum maluco no início do século XX. Devido ao grande soprano Joan Sutherland conseguiu
voltar ao repertório de alguns teatros na segunda metade do século XX. "Alcina" está para Sutherland como "Medea" está para Maria Callas. Ambas desenterraram óperas esquecidas.
Händel era chegado a destacar os solistas em detrimento da ação. Queria impressionar o público da época com árias estonteantes para chamar a atenção. Devido a isso imperam os curtos recitativos e árias longas, uma atrás de outra, do começo ao fim. A mulherada gostava de uma fofoca e era permitido conversar a vontade. Quando digo público me refiro à aristocracia, que nos salões dos ricaços consumia esse tipo de arte. A plebe nem imaginava e mesmo que quisesse não teria acesso.
Claro que fiquei surpreso quando vi "Alcina" na temporada desse ano do Theatro São Pedro/SP. Ópera barroca é uma raridade por essas terras. A chance de acontecer uma lambança monumental era enorme, fazendo esse título a direção da casa sai da zona de conforto ao partir para empreitadas que rumam ao desconhecido.
Os acertos da produção do aconchegante teatro paulistano começam na escalação do elenco. Vozes de excelente nível. Marília Vargas esteve soberba, soprano com voz potente que enche a sala com volume encorpado e técnica de excelente nível. Uma Alcina inesquecível. Thayana Roverso já foi eleita por esse Blog revelação lírica do ano de 2012, os anos passaram e a voz amadureceu. Estonteante, agudos brilhantes unidos a um timbre de rara beleza como Morgana. Inebriante, o soprano mostrou beleza vocal unida a excelência cênica. Espero que os diretores que escalam elencos a chamem para outros papéis.
O contratenor David Feldman fez um Riggiero modesto, sua voz destoou dos colegas, agudos fracos em uma voz pequena. Carolina Faria foi uma surpresa, mostrou uma voz que exala um calor denso, quente e escura. Mezzo-soprano especializada em música brasileira colonial acertou em cheio como Bradamante.
A concepção é um soco no estômago: moderna, inovadora e antenada com o melhor do teatro mundial. William Pereira transporta a ação para um futuro distante sem tirar a essência da obra. Torna-os personagens frios, secos e sem vivacidade.Tenta dar dinâmica a um libreto lento, faz movimentações e explora todo o palco. Difere seres humanos pelo figurino: habitantes da ilha brancos e os forasteiros de escuro. O próprio diretor assina os cenários onde predomina o branco total radiante, a intensidade da luz faz o futuro aparecer na mente. O mundo futurista de William Pereira é a pureza do branco onde os habitantes são assépticos e desprovidos de males e doenças. Os forasteiros chegam para contaminar a imaculada ilha de Alcina e a ação começa.
Algumas passagens lembram o filme "Guerra nas Estrelas", guerreiros com armas de luzes nas mão me fizeram imaginar que o Darth Vader apareceria para tirar satisfações com Luke Skywalker. William Pereira consegue modernizar um título composto há mais de duzentos anos dando uma dinâmica possível as cenas. O cenário sempre branco vai cansando no decorrer dos três atos, embora saibamos que os recursos financeiros escassos o obriguem a isso.
Os figurinos de Fabio Namatame seguem a linha futurista dos habitantes da ilha e destoam dos forasteiros. Parecem ser de épocas diferentes com enorme discrepância entre ambos. A luz de Mirella Brande transporta a tempos futuros, acompanha a narrativa e mantém a unidade do início ao fim da apresentação. Utiliza cores em alguns pequenos trechos e espaços quebrando a sequencia branca.
A Orquestra do Theatro São Pedro regida por Luis Otavio Santos encarou com vigor a partitura, conseguiu bons acompanhamentos dos solistas. Em diversas passagens tocou sem a pegada barroca, parecia uma orquestra moderna tocando música antiga.
Ali Hassan Ayache
Posso afirmar que o ser humano mudou drasticamente nos últimos vinte anos, o que dizer então de 283 anos quando estreou a ópera "Alcina" de Händel. O desafio de montar uma ópera concebida há tanto tempo é hercúleo.
Ópera barroca tem tudo para desagradar ao público: a ação é lenta, as árias são longas, a duração é enorme para os tempos de celulares conectados 24 horas, as orquestras não tem experiência nesse estilo e é um desafio no Brasil conseguir solistas capacitados.
Não é por acaso que o título ficou no arquivo morto por mais de duzentos anos. Foi relembrado por algum maluco no início do século XX. Devido ao grande soprano Joan Sutherland conseguiu
voltar ao repertório de alguns teatros na segunda metade do século XX. "Alcina" está para Sutherland como "Medea" está para Maria Callas. Ambas desenterraram óperas esquecidas.
Händel era chegado a destacar os solistas em detrimento da ação. Queria impressionar o público da época com árias estonteantes para chamar a atenção. Devido a isso imperam os curtos recitativos e árias longas, uma atrás de outra, do começo ao fim. A mulherada gostava de uma fofoca e era permitido conversar a vontade. Quando digo público me refiro à aristocracia, que nos salões dos ricaços consumia esse tipo de arte. A plebe nem imaginava e mesmo que quisesse não teria acesso.
Claro que fiquei surpreso quando vi "Alcina" na temporada desse ano do Theatro São Pedro/SP. Ópera barroca é uma raridade por essas terras. A chance de acontecer uma lambança monumental era enorme, fazendo esse título a direção da casa sai da zona de conforto ao partir para empreitadas que rumam ao desconhecido.
Os acertos da produção do aconchegante teatro paulistano começam na escalação do elenco. Vozes de excelente nível. Marília Vargas esteve soberba, soprano com voz potente que enche a sala com volume encorpado e técnica de excelente nível. Uma Alcina inesquecível. Thayana Roverso já foi eleita por esse Blog revelação lírica do ano de 2012, os anos passaram e a voz amadureceu. Estonteante, agudos brilhantes unidos a um timbre de rara beleza como Morgana. Inebriante, o soprano mostrou beleza vocal unida a excelência cênica. Espero que os diretores que escalam elencos a chamem para outros papéis.
O contratenor David Feldman fez um Riggiero modesto, sua voz destoou dos colegas, agudos fracos em uma voz pequena. Carolina Faria foi uma surpresa, mostrou uma voz que exala um calor denso, quente e escura. Mezzo-soprano especializada em música brasileira colonial acertou em cheio como Bradamante.
A concepção é um soco no estômago: moderna, inovadora e antenada com o melhor do teatro mundial. William Pereira transporta a ação para um futuro distante sem tirar a essência da obra. Torna-os personagens frios, secos e sem vivacidade.Tenta dar dinâmica a um libreto lento, faz movimentações e explora todo o palco. Difere seres humanos pelo figurino: habitantes da ilha brancos e os forasteiros de escuro. O próprio diretor assina os cenários onde predomina o branco total radiante, a intensidade da luz faz o futuro aparecer na mente. O mundo futurista de William Pereira é a pureza do branco onde os habitantes são assépticos e desprovidos de males e doenças. Os forasteiros chegam para contaminar a imaculada ilha de Alcina e a ação começa.
Algumas passagens lembram o filme "Guerra nas Estrelas", guerreiros com armas de luzes nas mão me fizeram imaginar que o Darth Vader apareceria para tirar satisfações com Luke Skywalker. William Pereira consegue modernizar um título composto há mais de duzentos anos dando uma dinâmica possível as cenas. O cenário sempre branco vai cansando no decorrer dos três atos, embora saibamos que os recursos financeiros escassos o obriguem a isso.
Os figurinos de Fabio Namatame seguem a linha futurista dos habitantes da ilha e destoam dos forasteiros. Parecem ser de épocas diferentes com enorme discrepância entre ambos. A luz de Mirella Brande transporta a tempos futuros, acompanha a narrativa e mantém a unidade do início ao fim da apresentação. Utiliza cores em alguns pequenos trechos e espaços quebrando a sequencia branca.
A Orquestra do Theatro São Pedro regida por Luis Otavio Santos encarou com vigor a partitura, conseguiu bons acompanhamentos dos solistas. Em diversas passagens tocou sem a pegada barroca, parecia uma orquestra moderna tocando música antiga.
Ali Hassan Ayache
Ali, eu gostei, gostei muito é um milagre nos dias de hoje uma ópera barroca em nossas terras, e o theatro São Pedro é perfeito para isso, tem o tamanho certo. Em minha opinião o maestro mineiro Luiz Otávio deu o melhor desempenho que já ouvi da orquestra do Theatro São Pedro...Em relação ao Star Wars, é quase um plágio....porém se encaixou bem na história....
ResponderExcluirNão assisti ao espetáculo em questão,mas noto nessa escolha pelo branco total uma semelhança com a montagem gravada em vídeo da ópera Semiramide de Rossini,esta chamada de a última ópera barroca,com Caballé,Horne,Araiza e Ramey onde até a cara dos cantores estava pintada de branco.
ResponderExcluirConfesso que gosto de música barroca mas não tanto de ópera barroca,só as árias individualmente me atraem neste caso,não tenho pretensão nenhuma de ser erudito nem de ter cultura enciclopédica,mas talvez um dia me dedique mais ao gênero e ouça uma ópera barroca completa além do Orfeo de Monteverdi.Inversamente quando se trata de uma Missa em Si menor de Bach,suas paixões,Magnificat,cantatas,Oratórios ou obras de Handel como o Messias ou Dixit Dominus,ou por outro lado o Dixit Diminus de Vivaldi,seu Gloria famoso ou o Magnificat,ou seus motetos como In furore giustissimae irae para voz solista de soprano;nos casos de todas essas obras supracitadas deixo de lado,sem desmerecer,de muito bom grado a audição de Traviata,Carmen,Tosca,Bodas de Fígaro,Lohengrin e muitas outras.
A ópera barroca é bem diferente de outros gêneros de música barroca,basta saber que Faustina Bordoni,prima dona e esposa do compositor Johann Adolph Hasse,era amiga de um certo Johann Sebastian Bach mas nunca cantou uma ária dele,bem como este nunca escreveu uma ópera.Como são peças de números,é mais fácil para o ouvinte moderno,quando se tem sorte de encontrar vozes capazes,ouvir só números individuais mesmo ao invés de enfrentar 3 horas de Alcinas,Rodelindas,Agrippinas,Armindas,Josefinas,Rosalindas,Marislindas...
Isaac Carneiro Victal.
Comentário publicado no facebook: Carlos Eduardo Cianflone Assisti ontem, após um jogo de futebol que deixou a cidade completamente vazia à tarde - o que foi ótimo para resolver o trânsito de São Paulo.
ResponderExcluirConcordo com a crítica do Ali Hassan Ayache: milagre fazer uma ópera barroca funcionar bem nos dias de hoje. E acho sim que funcionou no limite do que dá daria para fazer com a estética original da obra, misturada com a tecnologia de cenário e luzes atuais. É uma récita longa e as árias são desnecessariamente - para os padrões modernos - repetidas à exaustão. Decisão acertada juntarem os três atos originais (já que não há mesmo troca de cenário ou mudança da linha do tempo) e fazer apenas um intervalo no meio do antigo segundo ato. Tiraram completamente desta apresentação a mini-trama do menino Oberto, provavelmente por falta de intérprete adequado (sopranino?), mas que economizou alguns minutos preciosos no avançar da noite paulistana. Eliminaram também as poucas intervenções do coro, exceto na última cena que ficou um pouco confusa, pois o quarteto protagonista acabou fazendo o papel de "povo da ilha", mas tudo bem. A gente não queria mesmo que os bailarinos cantassem.
Logo no início, o clarão branco do cenário minimalista e dos figurinos bem cuidados me deram um susto e também um alívio. Nada pode ser mais modorrento que cenários e figurinos pobres e escuros... Trauma forte daquele último Otello de Verdi no TMSP em 2015...
O contratenor tentou fazer bonito, não sei opinar tecnicamente, mas aquela vozinha fina não mete medo em ninguém, mesmo com uma arma em punho ameaçando os transeuntes. Percebemos, naquele casal, que Bradamante é quem realmente mija em pé: vozeirão da Carolina Faria conseguia passar fácil por cima do David Feldman. Pena que Handel lhe deu pouquíssimas árias, assim como para Melisso. Vozes graves não estavam definitivamente na moda nos idos de 1700.
Para finalizar, usar uma pistola como arma foi muito primário. Esperava uma espada tradicional (o Teatro São Pedro deve ter dúzias no estoque), mas no meio do cenário Star Wars, as cenas de combate pediam mesmo um par de sabres de luz. Vende baratinho na 25 de março...
Mais duas récitas em 29/jun e 1/jul.
Adorei a ópera. Foi a estréia paulista depois de mais de 300 anos. Espero mais óperas barrocas no teatro S. Pedro. As únicas óperas barrocas feitas em S.Paulo foram, há muitos anos atrás, Xerxes, trazida pela English National Company de Londres para o Teatro Municipal, Acis e Galatéa na Puc, regida por Luis Otávio e uma Ariana de Benedeto Marcelo no Teatro Paulo Eiró com o elenco do Teatro Municipal.
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