NO SEU CENTENÁRIO UMA AVALIAÇÃO DA MÚSICA APRESENTADA DA SEMANA DE ARTE DE 1922. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Guiomar Novaes
Segunda noite (15 de fevereiro): Muitas vaias e o curtíssimo recital de Guiomar Novaes.
A segunda noite da Semana de Arte Moderna teve o ingresso mais caro das três noites. Isso porque nesta noite se apresentaria a musicista brasileira de maior renome internacional da época: Guiomar Novaes (sobre a primeira noite veja aqui). Desde Carlos Gomes o Brasil não tinha alguém ligado à música com o tamanho reconhecimento internacional desta pianista paulista (nascida em São João da Boa Vista). A instrumentista, no entanto, se indispôs com os organizadores da Semana com sua recusa de tocar a obra de Satie na primeira noite, por julgar uma afronta à obra de Chopin a irônica citação de uma melodia dele. Por isso enviou uma carta à imprensa declarando-se alheia aos ideais propagados pelos organizadores do evento. Sabendo que a presença de Guiomar Novaes atrairia um bom público (foi o dia de teatro lotado) resolveram colocar de forma evidente todo tipo de ousadia e provocação.
Os tumultos aconteceram como num “crescendo”. A noite começou com uma palestra, “Estética e arte”, de Menotti del Picchia, extremamente vaiada, e a vaia foi maior ainda quando Mário de Andrade se pôs a declamar “Paulicéia desvairada”. Quando Oswald de Andrade se pôs a ler um trecho de seu romance “Os condenados” a balbúrdia foi ainda maior. Mas os maiores tumultos aconteceram quando Ronald de Carvalho leu “Os sapos” de Manuel Bandeira (que não pôde vir por estar doente), poema que imita um coaxar de batráquios. Em resumo, antes do recital de Guiomar Novaes, como disse Oswald de Andrade, num depoimento, “...o teatro parecia uma mistura de zoológico e matinê de circo”.
Neste clima alvoraçado entra Guiomar Novaes e, para surpresa de quem pagou tão caro para ouvi-la, ela tocou um mini recital. Somando as quatro obras em programa tocou menos de 14 minutos. Inicialmente tocou uma obra de um desconhecido e anódino compositor suíço, Emile-Robert Blanchet (1877- 1943) – Au jardin du vieux serail (1913). Depois, de Villa-Lobos, a primeira parte (duração de um minuto) da Suíte “O carnaval das crianças”, O ginete do pierrozinho (1919). Depois duas obras de Debussy (compositor que ela conhecera pessoalmente, e que a admirava bastante): La soirée dans Grenade (de Estampes - 1903) e Minstrels (do Primeiro livro de Prelúdios - 1910). Essa última com a bailarina Yvone Daumerie fazendo uma coreografia vestida de borboleta... O Bis foi uma composição de outro suíço desconhecido (e também dispensável): Henri Stierlin-Vallon (1887- 1952) – Arlequin. O recital, mesmo tendo sido tão curto, mudou o clima. Muita gente foi embora depois dele e o clima ficou um pouco mais ameno quando foram executadas três canções de Villa-Lobos: Festim pagão (1919), Solidão (1920) e Cascavel (1917). Elas foram executadas pelo barítono Frederico Nascimento Filho, grande propagador de obras de compositores brasileiros como Glauco Velázquez e Nepomceno, e pela pianista Lucília Villa-Lobos. O cantor chegou a ser ridicularizado, muito provavelmente por cantar em português, algo incomum naquela época, e segundo o crítico Corrêa de Azevedo, deu uma surra nos perturbadores nas imediações do teatro depois do concerto. A noite terminou com uma das obras de Villa-Lobos mais influenciadas pelo compositor francês Maurice Ravel: o Quarteto de cordas Nº 3 (1916). Obra profundamente calcada no “Quarteto em fá” do compositor francês, expande a ideia dele dos pizzicatos no Scherzo às raias do inexequível (ficou mesmo conhecido como “Quarteto das pipocas”). Foi executado pelo quarteto “ad hoc” vindo do Rio de Janeiro: Paulina D’Ambrósio e George Marinuzzi – Violinos. Orlando Frederico – Viola. Alfredo Gomes – Violoncelo.
Depois dos tumultos da primeira parte desta noite, a execução do quarteto, uma partitura com alguns momentos nacionalistas no último movimento, foi recebida de forma tranquila. Ficou claro que o público tinha pouco apreço pelos idealizadores do evento, sobretudo Mário e Oswald de Andrade, e que a arte de Villa-Lobos estava longe das contestações e modernidade dos poetas. O compositor, neste aspecto, passou praticamente ileso frente às balbúrdias, sobretudo numa noite em que nem atuou como maestro.
Osvaldo Colarusso
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