PAGLIACCI PELA CIA ÓPERA SÃO PAULO: QUEM QUISER SE MOSTRAR "MODERNINHO" QUE VÁ FAZER MANIFESTAÇÃO NA AVENIDA PAULISTA. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
A ópera Pagliacci é uma das expressões máximas do verismo. Sua principal característica é trazer o povão e a simplicidade para a ópera. No verismo os personagens são camponeses pobres, artistas decadentes e pessoas comuns. Outra particularidade importante do verismo é seu realismo, descreve a vida cotidiana com nuances sanguinários mostrando a realidade nua e crua no palco. Reis, nobres e abastados não tem lugar no estilo musical nascido na Itália em fins do século XIX. Quer saber mais sobre essa ópera, dê uma olhada no excelente texto de Fabiana Crepaldi.
Pagliacci, ópera de Ruggero Leoncavallo é geralmente apresentada na mesma noite com a Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni. Por isso são chamadas de xifópagas, essa palavra desenterrei do meu dicionário Caldas Aulete. Ambas são curtas, para os padrões da ópera, por isso cabem na mesma noite.
O crítico de ópera Marcus Góes (1939-2016) definiu com maestria a obra prima de Leoncavallo em um texto publicado nesse Blog: "A ópera é uma maravilha de música e libreto, teatral como ela só, e é por isso uma das mais populares do repertório. A figura do palhaço que deve representar a si mesmo no palquinho da “commedia dell´arte” é fascinantemente teatral, e as palavras e a música a ele destinadas são o máximo da dramaticidade operística. Mas de “épico” a ópera não tem nada. Aliás, o “verismo”, escola de ópera inaugurada em 1890 com a Cavalleria Rusticana, de Mascagni, em que se inserem Pagliacci como baluarte, justamente procurava o verdadeiramente humano, a realidade do cotidiano, e nada de épico".
Feita essa introdução informo que a ópera esteve em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso e estará em algumas cidades do interior paulista como Santos, Jundiaí e Piracicaba. A produção cenográfica e dos figurinos esteve a cargo da Cia Ópera São Paulo representada por Paulo Ésper. Tudo esteve nos conformes, cenários corretos e figurinos que caracterizam os personagens, o palhaço se veste como tal. Pode parecer estranho, mas em certas ópera egípcios antigos não se parecem como egípcios. A direção de André di Peroli narra os fatos sem mais delongas deixando transparecer todas as características veristas.
O elenco, o que dizer dele, esteve soberbo, solistas do mais alto nível. Sua escolha se mostrou acertada em todos os papéis. Mandem o Paulo Ésper selecionar os elencos das futuras óperas o Theatro Municipal de São Paulo.
O destaque da noite ficou com o soprano Thayana Roverso: mostrou domínio de cena incrível, sua Nedda/Colombina expressou toda a dramaticidade da personagem. Vocalmente defendeu sua principal ária com voz pujante, sustentando as notas e impondo um timbre quente que expressa o estilo verista. Segura e consistente em todas as passagens, imagino que foram muitos ensaios para atingir esse nível de excelência. Química perfeita na cena com Silvio (Vinícius Atique), amantes na ópera, casados na vida real.
Lembro aos desavisados que Pagliacci tem uma grande ária para todos os solistas, foram escalados os melhores cantores nacionais. O tenor Alan Faria exibiu bons agudos como Canio/Pagliaccio. O barítono Rodolfo Giugliani cantou e interpretou muito bem como Tonio/Taddeo, apesar de uma derrapada em sua principal ária. O Peppe/Arlecchino de Aníbal Mancini exibiu, como sempre, um belo timbre. Vinícius Atique fez um Silvio com voz vigorosa onde os graves dão credibilidade ao personagem.
A Orquestra Sinfônica de Santo André nas mãos do experiente Abel Rocha entregou sonoridade volumosa, sem atrapalhar os solistas. É difícil acertar o tom orquestral no Teatro Sérgio Cardoso, este não tem boa acústica e não foi planejado para óperas.
A parte chata é que a direção permitiu filmagens e fotos da plateia. Apareceram diversos "cinegrafistas" amadores com seus celulares que se esbaldaram filmando. Será que não sabem que isso incomoda outros espectadores?
Fica aqui registrado, mais uma vez, nossos agradecimentos aos esforços e dedicação de Paulo Ésper e toda sua equipe, fizeram de tudo para que a ópera saísse do papel. A apresentação coroa um excelente trabalho com recursos limitados.
Não caíram nos modismos das transposições temporais e da lacração, como ocorreu na Aida de Verdi apresentada no Theatro Municipal de São Paulo. A ópera não precisa disso, quem quiser se mostrar moderninho que vá fazer manifestação na Avenida Paulista. A Cia Ópera São Paulo Fez um trabalho voltado para apreciação e didatismo do espectador.
Ali Hassan Ayache
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