70 ANOS DA BOMBA DE HIROSHIMA, PENDERECKI E O FIM DA VANGUARDA MUSICAL. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Hiroshima destruída pela bomba atômica
Quando se fala de grandes crimes contra a humanidade há uma condenação seletiva. Nestes 70 anos dos ataques nucleares a duas cidades japonesas, que mataram pelo menos 300.000 pessoas, a grande maioria civis (que faz o presidente Henry Truman, na minha visão, fazer companhia aos grandes assassinos da segunda guerra mundial), a desproporcional destruição de milhares de vidas humanas é vista por muitas pessoas como “necessária”. Este tipo de discussão não é a tônica de meus textos e nem será. O que pretendo mostrar é que uma das mais importantes obras musicais da segunda metade do século XX é um retrato sonoro muito fiel aos horrores de um ataque feito pelos americanos sobre inocentes japoneses. Falo de uma das obras primas do compositor polonês Krzysztof Penderecki (nascido em 1933), “Trenodia para as vítimas de Hiroshima”, obra composta em 1960.
Krzysztof Penderecki e o sonorismo polonês
Krzysztof Penderecki é um dos mais importantes compositores clássicos dos nossos dias. Sua fama mundial veio exatamente através da obra “Trenodia (oração para os mortos) para as vítimas de Hiroshima”, uma peça escrita para orquestra de cordas, que alia maneiras pouco convencionais de se tocar os instrumentos com uma série de dissonâncias que ficam evidentes nos “cachos de notas” (cluster em inglês) e a utilização de quartos de tom. A obra descreve de forma bem realista os motores dos aviões militares, as sirenes antiaéreas e a destruição que se seguiu. A crueza da partitura chamou a atenção em todo o mundo (recebeu um prêmio da Unesno em 1961) , especialmente numa época em que novos ataques nucleares não estavam descartados. A linguagem do autor abria também um novo caminho para a vanguarda musical, que era antes dominada por compositores como Pierre Boulez (nascido em 1925) e Karlheinz Stockhausen (1928-2007). A assim chamada “Escola polonesa”, e que também ficou conhecida como “sonorismo”, contribuiu de forma decisiva para uma nova utilização dos instrumentos e um tipo de organização sonora que não tinha nada a ver com as elucubrações cerebrais da época. Esta nova linguagem levou a obras primas do próprio Penderecki (ópera “Os demônios de Loudum, Paixão Segundo São Lucas, “De natura sonoris” I e II, etc), transformou a linguagem de outro grande músico polonês, Witold Lutosławski (1913-1994) e chegou mesmo a ter uma forte marca em compositores brasileiros como Marlos Nobre (nascido em 1939) e Edino Krieger (nascido em 1928). Neste aspecto posso afirmar que a revolucionária obra de Penderecki, a “Trenodia”, abriu um novo e impensado caminho para a linguagem musical.
Penderecki e o fim da vanguarda
Algo extremamente curioso a respeito de Krzysztof Penderecki é a modificação radical em sua linguagem depois de 1980. Sua obra voltou a ser tonal, e sua harmonia lembra os compositores do fim do século XIX e início do século XX. Diversas vezes o compositor se justificou dizendo que o som contestatório de suas obras escritas entre 1958 e 1980 agiam como uma revolta contra a ditadura comunista da Polônia, e que com o fim do comunismo não via mais sentido em ser um contestador. Suas composições sinfônicas, no entanto, se assemelham com as do russo Dimitri Shostakovich (1906-1975), que eram obras conflitantes com o regime soviético. No meu ver seu conservadorismo atual é tão chocante quanto a modernidade de suas obras escritas na década de 60.
Os horrores de um ouvinte
Há alguns anos coloquei a “Trenodia para as vítimas de Hiroshima” num programa da Rádio Educativa do Paraná. Um ouvinte alarmado ligou para a emissora reclamando que havia um chiado e barulhos estranhos na transmissão. Isso foi na época em que a Rádio ainda tinha programas de música clássica diários na hora do almoço. Fica registrada aqui esta história divertida.
Osvaldo Colarusso
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/
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